sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

FOBIAS EM DESCONFORMIDADE COM OS NÚMEROS



(Hoje é do conhecimento generalizado que a emergência e concretização do BREXIT estiveram profundamente ligadas à perceção do medo que a imigração provocou nas populações mais vulneráveis, mais velhas e menos qualificadas. O que constitui agora interrogação é a perda de intensidade das manifestações dessa perceção na sociedade britânica.)

As forças mais agressivas e intrusivas que comandaram a progressão para o BREXIT manipularam com arte e mestria as perceções dos britânicos em torno da imigração, aqui e ali apimentadas com alusões ainda mais distorcidas ao terrorismo.

A conexão entre tais perceções e os números da imigração no Reino Unido nunca foi clara e definitiva, o que nada prejudicou a ilação que se pretendia inculcar na população mais recetiva a tal mensagem. Poderá dizer-se que a manipulação dessa perceção da imigração é de certo modo indissociável da ilusão de recuperação de glória perdida que também foi veiculada junto da população mais saudosa dos “good old days”. Porém, nos estudos de opinião realizados após o referendo e nos anos seguintes acompanhando a opinião em torno de LEAVE, ficava claro que o tema que mais puxava ao desejo de saída da União Europeia e á recuperação da individualidade britânica era a questão da imigração.

Consumado o BREXIT e embora ainda vá decorrer um completamente interrogado processo de negociação, já com alguns sinais de hostilidade comercial (veja-se o caso dos pescadores na zona do Canal da Mancha, com ingleses e franceses, primeiro os ingleses, a cercear o acesso dos pescadores às suas águas), a verdade é que os temas da imigração perderam força e estranhamente parecem desaparecidos.

Uma boa questão a colocar é a de saber se a imigração terá regredido para justificar o apaziguamento entretanto observado?

Simon Wren-Lewis que foi dos intelectuais britânicos a desmontar em vão a pretensa ligação entre a perceção do medo da imigração e a intensidade desta última regressou ao tema para continuar a sua denúncia de que a conformidade da referida perceção não se deve medir em relação aos números da mesma mas em relação a outros referenciais.

O gráfico que abre este post, que é apresentado por Wren-Lewis no seu último contributo sobre a matéria é em si ilustrativo (link aqui).

A partir do referendo sobre o BREXIT, o que é visível é que a imigração proveniente da União Europeia desce significativamente (compreensível face aos resultados observados), ao passo que a imigração proveniente de outros territórios que não a União Europeia manteve um comportamento ascendente.

Na linha do que o jornalista do Guardian Roy Greenslade assinalou (link aqui) no mês passado e que Wren-Lewis recorda com pertinência, o que aconteceu é que a imprensa britânica deixou de colocar pura e simplesmente o tema da imigração nas primeiras páginas. O que mostra claramente que a perceção sobre a imigração não foi construída sobre os números da mesma, os reais e efetivos, mas antes em função de uma manipulação securitária da imprensa que suportou a progressão para o BREXIT.

Não é algo que nós não soubéssemos. Mas o que interessa aqui sublinhar é o padrão que esta conclusão nos traz.

As perceções que alimentam decisões políticas relevantes e que suportam o populismo mais agressivo são construídas em função de manipulações grosseiras e de uma imprensa que tem arte nessa construção. A imigração foi uma delas. Outras se seguirão.

Ou alguém tem dúvidas de que essa vai ser a via dos Correios da Manhã deste país e da sua captura da TVI?

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