quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

UMA QUESTÃO MUITO POLÉMICA


A questão que aqui trago hoje é especialmente polémica, mas isso não deve afastar-nos de a enfrentar na sua mais profunda essência. Trata-se do cartune acima (“Crematório”), inicialmente publicado online pelo português Vasco Gargalo (VG) em novembro e, entretanto, republicado a propósito do plano de paz para o Médio Oriente apresentado pelos Estados Unidos. As comunidades judaicas nacional e internacional reagiram ativamente contra o mesmo, invocando uma demonização do Estado de Israel e uma indevida assimilação do conflito israelo-palestiniano ao Holocausto, tendo já as acusações e pressões ocorridas conduzido a um muito provável desvinculamento de VG em relação à revista “Courrier International” e à retirada por esta de um prémio que lhe atribuíra.

Vou diretamente ao ponto: o que está em causa é um confronto entre a valorização primeira da liberdade de criação, de expressão e de imprensa (independentemente dos incómodos que tal possa suscitar) ou a preservação de outros valores também atendíveis e por vezes determinantes (no caso, o da intolerância para com o antissemitismo). A velha questão da liberdade e dos limites à mesma, portanto. Sobre a qual a minha tendência natural é a de me ver impelido a optar pela liberdade, sempre. Mas...

Quero ainda recordar que estamos perante uma espécie de remake do incidente protagonizado entre o nosso grande cartunista do “Expresso” (António) e o “New York Times” (NYT). Este jornal de referência chegou ao cúmulo de emitir uma nota editorial a pedir desculpa pela sua publicação do cartune abaixo (por não ter reconhecido o seu potencial de leitura antissemita) e de romper o contrato com a empresa de serviço de distribuição de cartunes com que trabalhava. António afirmou, então, que “provavelmente, tem a ver com as suas linhas de financiamento”, denunciando a vulnerabilidade do jornal a “grupos de pressão” com grande influência na sua linha editorial. Mas o argumentário do NYT foi sendo rebuscado no sentido de privilegiar como elemento central “a evidência de um profundo perigo — não apenas de antissemitismo mas também da dormência face ao seu aparecimento, da maneira subtil como este antigo e duradouro preconceito é mais uma vez trabalhado para chegar à visão pública e conversa comum”.

Uma questão indiscutivelmente complexa e longe de poder ser meramente encarada, julgo eu, entre o preto e o branco. A vida em sociedade ensina-nos que os contrastes predominam e exige-nos que sobre eles sejamos devidamente ponderados.

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