(Uma excelente entrevista da intrépida cientista Maria
Manuel Mota ao P2 do Público de hoje que é um mar de reflexões sobre o futuro
da ciência em Portugal. Oportunidade para
retomar alguns temas que já passaram por este espaço de opinião, mas que a
notoriedade da cientista do Instituto Molecular de Medicina de Lisboa
transporta para um outro plano de relevância.)
Maria Manuel Mota, a
par de Elvira Fortunato e outros (poucos) cientistas, combinam a excelência
científica e de investigação, internacionalmente reconhecidas, com a
notoriedade na opinião pública nacional e na comunicação social, o que é raro
acontecer. Desse ponto de vista, representam uma nova geração de notoriedade e
excelência, sucedendo a gerações em que pontificaram personalidades como Maria
de Sousa, Alexandre Quintanilha, Sobrinho Simões, João Lobo Antunes entre
outros.
Quer isto significar
que a opinião publicada e divulgada de personalidades e investigadores deste
calibre tem um peso diferente das ideias que circulam no interior da comunidade
científica em seminários, conferências e em encontros de “sábios” que alguns
políticos promovem mais para reconhecimento em sede própria do que para ouvirem
quem sabe e mudar em conformidade. A entrevista de Maria Manuel Mota ao P2 do
Público não tem elementos substancialmente diferentes do que tenho ouvido em
trabalho profissional junto de algumas comunidades científicas, mas dito por
quem é para a opinião pública tem inequivocamente um outro significado e
sobretudo uma outra amplitude de efeitos.
A tónica dominante
que atravessa a entrevista é a da necessidade de um comportamento de liderança
perseverante para enfrentar e gerir toda a série de entraves burocráticos e administrativos,
preparados para uma teia de quem desconfia de toda a gente até da sua própria
sombra e que não consegue materializar as boas práticas seguidas em países de
referência. A palavra imprevisibilidade é proferida vezes sem conta na
entrevista com tudo o que isso significa em termos de falta de condições para
planear a investigação e obrigar as instituições a uma azáfama constante, de
telefonemas para as pessoas certas, esperando que, por vezes, em 48 horas as
aflições se resolvam, mas nem sempre.
Maria Manuel Mota
refere dois temas nessa azáfama de resolver impedimentos a montante da
investigação, mais propriamente a questão da contratação pública não ajustada à
atividade científica e da isenção de IVA para os projetos de ciência. O testemunho
da cientista do IMM está perfeitamente em linha com o que tenho ouvido em inúmeras
ocasiões e encontros sobre o que as políticas públicas de I&D e Inovação
vieram trazer à ciência portuguesa em termos de completamento de financiamento.
Mas para mim o
conteúdo mais relevante e determinante da entrevista de MMM é aquele que repesquei
para título deste post: “A ciência não é feita
para Portugal, é feita para o mundo”. O alcance desta afirmação
é tremendo e a cientista situa-a no âmbito da sua profunda convicção do valor
da ciência quando equacionada do ponto de vista da sociedade que a promove: “É impossível pensar na ciência sem pensar na sociedade.
Gostaria que tivéssemos uma sociedade que acredita que toma as melhores
decisões quando se baseia no conhecimento e gostasse de estar no centro da
criação do conhecimento. Na ciência é o mesmo: gostaria de ter uma política de
ciência que investe em pessoas para criarem esse conhecimento”.
É neste quadro que
tenho vindo a defender que é importante de uma vez por todas separar com
clareza o que é a política nacional de ciência, orientada segundo os princípios
defendidos por MMM e o que são os financiamentos à ciência conduzidos numa
perspetiva de valorização da transferência de conhecimento segundo uma lógica
de inovação, ou seja, com o foco na criação de valor por empresas que a transformam.
A confusão instalada é perniciosa e a peregrina intenção de escamotear os
défices de financiamento público à ciência (com o rol de imprevisibilidades mencionados
por MMM) com a mobilização dos Fundos Estruturais que existem na lógica da
transferência de conhecimento e da inovação tenderá, em meu entender, a acabar
mal. Ambas as dimensões da ciência nacional têm o direito de existir, desde que
para isso haja um escrutínio político claro sobre a alocação de recursos
públicos a ambas.
Mas MMM é frontal
quando refere que a ciência feita em Portugal é para o mundo e não para
Portugal. Serei dos primeiros em escrutínio democrático a declarar que Portugal
não pode perder a ambição de fazer ciência para o mundo, embora saiba que isso
estará ao alcance de alguns e não de muitos. Isso será mais claro do que
simular o financiamento a investigação segundo a lógica da transferência de conhecimento
e da inovação quando se trata em alguns casos de processos de investigação que
deveriam ser apoiados não nessa lógica mas na que MMM preconiza.
A continuidade artificial
deste mal-entendido não é benéfica para a unidade da comunidade científica em
Portugal que corre o risco de se fraturar, pois, entendamo-nos, a organização das
comunidades científicas para um e outro objetivo não é similar. A orientação em
função da transferência de conhecimento e da inovação exige um foco e
proximidade empresarial que uma grande parte dos cientistas de excelência em
Portugal não está disposto a aceitar e estarão no seu direito, acaso o poder
político compreenda a necessidade de apoiar as duas vertentes, na proporção de
recursos que bem entender e da valia real da excelência na ciência que é feita
para o mundo.
Um novo período de
programação está aí à porta e seria bom clarificar essa questão para não
contaminar a sua preparação.
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