quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

BRUXELAS NOS INTERSTÍCIOS


Andar por Bruxelas acrescenta sempre alguma coisa, mais não seja a perceção in loco de alguns aspetos mais específicos ou menos conhecidos da infernal máquina comunitária ali concentrada. Uma máquina consagrada a apoiar as “instituições” e, entre elas, aquela que é suposta defender o interesse europeu segundo os Tratados, a Comissão (versus a defesa do interesse dos Estados pelo Conselho e a do interesse dos cidadãos pelo Parlamento) – uma Comissão liderada pela alemã Ursula von der Leyen (PPE) que se anuncia proclamatoriamente no banner recém-instalado no seu já lendário edifício Berlaymont como sendo “por uma União mais ambiciosa” (for a Union that strives for more, o que quer que isso signifique). Matéria a ter de ser seguramente glosada, e a vários pretextos já antecipáveis, nos meses mais próximos.

Mas há também os temas menos quentes ou aparentemente menores que sempre nos passam pela frente. Foi o caso de uma conversa com uma cidadã eslovaca que me alertou para algo que eu apenas tinha consciencializado de raspão aquando da tomada de posse da protagonista (Zuzana Čaputová) enquanto presidente da República do seu país (a Eslováquia), após ter derrotado o candidato do “sistema”, Maroš Šefčovič (então como agora comissário europeu, cargo que aliás desempenha desde 2009, a maioria do tempo como vice-presidente com vários pelouros – antes os da Educação, Formação, Cultura e Juventude, das Relações Interinstitucionais e Administração e da União Energética, hoje o das Relações Interinstitucionais e Prospetiva). Uma mulher, jovem (46 anos), advogada, ativista ambiental e militante anticorrupção foi assim capaz de uma vitória clara (mais de 58%) contra o instalado establishment oligárquico e populista – recorde-se que as eleições ocorreram na sequência de uma crise política gerada pelo homicídio de um jornalista (e namorada) que investigava o envolvimento de responsáveis políticos eslovacos com o crime organizado italiano. Na vitória, Zuzana declarou: “Estou feliz não só pelo resultado, mas sobretudo por ser possível não sucumbir ao populismo, dizer a verdade e suscitar interesse sem um vocabulário agressivo”. Um novo tempo político, dizia a minha interlocutora, talvez não mais do que um pequeno sinal de esperança, pensava com os seus botões o ser  descrente que cada vez mais eu sou.

(caricatura de https://www.politico.com)

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