quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

GLOBALIZAÇÃO E COVID-19



(Bem lá no fundo, uma grande maioria de Portugueses ainda acredita que este pedaço de terra à beira-mar plantado ficaria à margem da possível incidência do Coronavírus. Não deixa de ser paradoxal que, em tempos de obstáculos e até repúdio pelo avanço da globalização económica e financeira, seja na sua parente pobre, a globalização das pessoas, que se colocam os problemas mais relevantes de contenção de uma possível pandemia).

Insisto na ideia que já procurei transmitir em posts anteriores. Desde os fins dos anos 80 até ao início dos populismos anti-globalização, foram as dimensões económica e financeira da globalização as que evidenciaram maior velocidade de progressão, para mal dos nossos problemas no caso da última. A chamada globalização das pessoas sempre revelou menor intensidade e até há historiadores económicos que identificaram em épocas anteriores maiores intensidades dos fluxos de pessoas intercontinentais. Em meu entender, não foi por acaso que surgiu a “ideologia” do “mundo é plano”, lançada pela popular obra do jornalista americano do The New York Times, Thomas Friedman, The World is Flat. Ao contrário do que poderia parecer o mundo seria plano essencialmente do ponto de vista do acesso ao conhecimento e seria a globalização do conhecimento que permitiria a grande convergência. Estaria, assim, compensada, a menor expressão da globalização das pessoas, graças à mobilidade do conhecimento que dispensaria a mobilidade plena das pessoas, pelo menos parcialmente. E mesmo nessa hipótese, vozes sábias questionaram se o mundo é assim tão plano.

O problema é que nas condições e amplitude das diferenças entre onde se é pobre e sem oportunidades e onde se é rico com um mar de oportunidades não há massa de conhecimento que valha para reequilibrar o que não é reequilibrável apenas por essa via. Para além disso, os motivos bélicos e de perseguição brutal de algumas minorias étnicas e o efeito brutal das guerras tenderam a dinamitar as condições para a mobilidade forçada das pessoas. Finalmente, a revolução do transporte aéreo, ainda sem estar sob o foco das emissões de dióxido de carbono e a atração pelo conhecimento de outros lugares e de outras pessoas, seja pela questão cultural e de lazer, seja pelo aproveitamento de gaps salariais muito elevados, tenderam também a precipitar os fluxos de pessoas. Em parte essa precipitação foi facilitada pelo facto de se partir de um desequilíbrio tão pronunciado entre a globalização das pessoas e dos capitais, por um lado, e das pessoas, por outro.

Nestas coisas das morbilidades determinadas por surtos virais, uma grande maioria de Portugueses habituou-se a viver dos “rendimentos” de ser periférico, esperando que o afastamento e a localização relativamente marginal face aos grandes fluxos nos protejam das morbilidades. Mas a verdade é que os Portugueses viajam cada vez mais e não se contentam com destinos próximos. Para além disso, a explosão do turismo não pode ser apenas procura dos nossos lugares, gastronomia e convivialidade que nos é própria. Temos cada vez mais à nossa porta uma massa crescente de pessoas vindas dos territórios mais longínquos. E, cereja no bolo, a indústria portuguesa nunca gerou tantos fluxos de viagens de negócios como hoje, afinal a conquista de mercados é complexa, obriga à presença constante e ao estabelecimento de laços de cumplicidade e confiança com os destinos das nossas exportações. Depois, ainda, China e Itália estão na rota dessa internacionalização e tivemos o azar de que esses dois países estão na linha da frente em matéria de infetados pelo COVID-19.

Ora uma coisa é controlar e organizar a nossa vida, serviços públicos e empresas em função dos riscos associados a gente infetada nesses territórios e que regressa ou entra no país, seguindo com rigor as interações com outras pessoas. Outra coisa bem diferente é tomar consciência do que é sugerido pela evidência da pessoa infetada em Sevilha. Neste caso, os jornais e autoridades espanholas são claros em confirmar que a evidência de Sevilha mostra que o COVID-19 circulou durante alguns dias sem ter sido detetado. O homem de 62 anos internado no dia 20 no Hospital Virgem del Rocio de Sevilha com uma pneumonia só foi identificado como estando infetado com o Corona virus porque se registou uma mudança de protocolo na Hospital e foi realizado o correspondente teste. O que significa que entre o internamento e a data do teste o doente não esteve sujeito a medidas específicas de controlo do COVID-19. Ora este doente não tem pelo menos diretamente qualquer ligação a países com pessoas infetadas, admitindo-se que foi numa reunião de trabalho em Málaga que foi infetado. O COVID-19 estará por isso a circular.

Embora os casos diagnosticados em Itália não sejam substancialmente diferentes dos tratados nos hospitais espanhóis no pico sazonal da gripe, com o conjunto de vulnerabilidades que algumas pessoas evidenciam face a essas estirpes, o facto do COVID-19 estar em circulação traz perspetivas novas para a sua transmissão entre diferentes países europeus.

Nestas condições, há que aguardar pacientemente a chegada do vírus cá por estas bandas, esperando que não circule silenciosamente e que surja com alguma ligação direta aos principais pontos de emergência da infeção.

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