(Bem lá no fundo, uma grande maioria
de Portugueses ainda acredita que este pedaço de terra à beira-mar plantado
ficaria à margem da possível incidência do Coronavírus. Não deixa de ser paradoxal que, em tempos de
obstáculos e até repúdio pelo avanço da globalização económica e financeira,
seja na sua parente pobre, a globalização das pessoas, que se colocam os
problemas mais relevantes de contenção de uma possível pandemia).
Insisto na ideia que já procurei transmitir em posts anteriores. Desde os fins dos anos 80 até ao início dos
populismos anti-globalização, foram as dimensões económica e financeira da
globalização as que evidenciaram maior velocidade de progressão, para mal dos
nossos problemas no caso da última. A chamada globalização das pessoas sempre
revelou menor intensidade e até há historiadores económicos que identificaram
em épocas anteriores maiores intensidades dos fluxos de pessoas
intercontinentais. Em meu entender, não foi por acaso que surgiu a “ideologia”
do “mundo é plano”, lançada pela popular obra do jornalista americano do The New York Times, Thomas Friedman, The
World is Flat. Ao contrário do que poderia parecer o mundo seria plano
essencialmente do ponto de vista do acesso ao conhecimento e seria a
globalização do conhecimento que permitiria a grande convergência. Estaria,
assim, compensada, a menor expressão da globalização das pessoas, graças à
mobilidade do conhecimento que dispensaria a mobilidade plena das pessoas, pelo
menos parcialmente. E mesmo nessa hipótese, vozes sábias questionaram se o
mundo é assim tão plano.
O problema é que nas condições e amplitude das diferenças entre onde
se é pobre e sem oportunidades e onde se é rico com um mar de oportunidades não
há massa de conhecimento que valha para reequilibrar o que não é reequilibrável
apenas por essa via. Para além disso, os motivos bélicos e de perseguição
brutal de algumas minorias étnicas e o efeito brutal das guerras tenderam a
dinamitar as condições para a mobilidade forçada das pessoas. Finalmente, a
revolução do transporte aéreo, ainda sem estar sob o foco das emissões de
dióxido de carbono e a atração pelo conhecimento de outros lugares e de outras
pessoas, seja pela questão cultural e de lazer, seja pelo aproveitamento de gaps salariais muito elevados, tenderam
também a precipitar os fluxos de pessoas. Em parte essa precipitação foi
facilitada pelo facto de se partir de um desequilíbrio tão pronunciado entre a
globalização das pessoas e dos capitais, por um lado, e das pessoas, por outro.
Nestas coisas das morbilidades determinadas por surtos virais, uma
grande maioria de Portugueses habituou-se a viver dos “rendimentos” de ser
periférico, esperando que o afastamento e a localização relativamente marginal
face aos grandes fluxos nos protejam das morbilidades. Mas a verdade é que os
Portugueses viajam cada vez mais e não se contentam com destinos próximos. Para
além disso, a explosão do turismo não pode ser apenas procura dos nossos lugares,
gastronomia e convivialidade que nos é própria. Temos cada vez mais à nossa
porta uma massa crescente de pessoas vindas dos territórios mais longínquos. E,
cereja no bolo, a indústria portuguesa nunca gerou tantos fluxos de viagens de
negócios como hoje, afinal a conquista de mercados é complexa, obriga à
presença constante e ao estabelecimento de laços de cumplicidade e confiança
com os destinos das nossas exportações. Depois, ainda, China e Itália estão na
rota dessa internacionalização e tivemos o azar de que esses dois países estão
na linha da frente em matéria de infetados pelo COVID-19.
Ora uma coisa é controlar e organizar a nossa vida, serviços públicos
e empresas em função dos riscos associados a gente infetada nesses territórios
e que regressa ou entra no país, seguindo com rigor as interações com outras
pessoas. Outra coisa bem diferente é tomar consciência do que é sugerido pela
evidência da pessoa infetada em Sevilha. Neste caso, os jornais e autoridades
espanholas são claros em confirmar que a evidência de Sevilha mostra que o
COVID-19 circulou durante alguns dias sem ter sido detetado. O homem de 62 anos
internado no dia 20 no Hospital Virgem del Rocio de Sevilha com uma pneumonia
só foi identificado como estando infetado com o Corona virus porque se registou
uma mudança de protocolo na Hospital e foi realizado o correspondente teste. O
que significa que entre o internamento e a data do teste o doente não esteve
sujeito a medidas específicas de controlo do COVID-19. Ora este doente não tem
pelo menos diretamente qualquer ligação a países com pessoas infetadas,
admitindo-se que foi numa reunião de trabalho em Málaga que foi infetado. O
COVID-19 estará por isso a circular.
Embora os casos diagnosticados em Itália não sejam substancialmente
diferentes dos tratados nos hospitais espanhóis no pico sazonal da gripe, com o
conjunto de vulnerabilidades que algumas pessoas evidenciam face a essas
estirpes, o facto do COVID-19 estar em circulação traz perspetivas novas para a
sua transmissão entre diferentes países europeus.
Nestas condições, há que aguardar pacientemente a chegada do vírus cá
por estas bandas, esperando que não circule silenciosamente e que surja com alguma
ligação direta aos principais pontos de emergência da infeção.
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