quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

CORREDORES E ESPERAS



(A Companheira resolveu, intrépida para a nossa idade, fraturar o pulso direito, rotinas alteradas, corredores, esperas, intervenção cirúrgica, trabalhos para acabar no sossego do quarto de acompanhante, consequentemente perturbação explicável do blogue. Encontremos, pois, matéria de reflexão neste contexto atípico.)

O mundo do futebol está a transformar-se num ambiente irrespirável. Ficamos com a impressão de que se todos os intervenientes neste universo, incluindo os espectadores de sofá perante a televisão, tivessem comportamentos reativos de dignidade como Moussa Marega este mundo futebolístico estaria com ar bem mais arejado.

Mas não. O comportamento racista das multidões ululantes é apenas uma gota de água num complexo de degenerescências em relação às quais vamos encolhendo os ombros, indiferentes, com a desculpa de que estamos apenas interessados na vivência do espetáculo (cada vez mais degradado ele próprio, salvo alguns jogos de exceção).

E tudo isto gera contradições. A maior contradição está no facto da Federação Portuguesa de Futebol ser presidida por um homem de bem, aparentemente dissonante em relação ao universo que o rodeia, e à sua volta as degenerescências acontecem como se o próprio estivesse estranhamente imunizado face a tanta anomalia e comportamento desviante.

Com uma premonição que é de salientar, recordo-me que quando José Pacheco Pereira apoiou reflexiva e intelectualmente a cruzada anti-FCP que Rui Rio protagonizou na cidade do Porto, e que muita gente erradamente admitiu que lhe custaria derrotas, o historiador atacava sobretudo o mundo sinistro, típico do lúmpen proletariado, que girava em torno de claques e da massa associativa mais agressiva. Tal acusação revelou-se certa e a propósito, já que o fenómeno se tornou viral como agora se diz, atravessando a generalidade dos clubes, embora notoriamente mais agressivo nos maiores e com maior massa de adeptos.

O que tem acontecido pelas bandas de Alvalade não é pior ou melhor do que pode acontecer noutras agremiações. Aconteceu simplesmente porque houve um combustível populista chamado Bruno de Carvalho que preparou com tempo a combustão e que aproveitou o momento X para fazer eclodir o preparado. O pobre Frederico Varandas é outro exemplo da contradição tipo Fernando Gomes e aguenta o prolongamento da combustão sabe-se lá até quando.

A situação é complexa porque as degenerescências de que falei são interdependentes e reproduzem-se dada essa interdependência. Por exemplo, as claques mais degeneradas existem porque interessam a alguns modelos de dirigentes desportivos, para se perpetuarem em função de critérios que relegam a qualidade da gestão para o caixote das inutilidades.

Vontade política para dar um murro nesta tralha e tornar o ar mais respirável não há. Afinal, há sempre um bilhetinho à espera do ministro para ver o clube do seu coração e isso vale muita coisa.

Somos todos Marega? Sim é possível, mas é sempre mais fácil bater no peito do que dar murros na mesa para limpar o ambiente.

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