quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

A PEDRA NO SAPATO DO INDEPENDENTISMO CATALÃO CHAMA-SE ÁGUA

 



(Os ventos não sopram de feição para o independentismo catalão. O supra-radicalismo da CUP parece perdido em parte incerta e não se tem manifestado. Os restantes dois partidos, a Esquerra Republicana e o Junts per Catalunya estão como praticamente sempre estiveram de candeias às avessas. O rigor militante e político da primeira sempre teve dificuldade em conviver com o oportunismo da segunda força política, hoje refém da instável personalidade de Puigdemont e da sua falta de credibilidade para pactos políticos com alguma dimensão. A posição assumida pelo partido de Puigdemont no chumbo da lei da Amnistia foi a gota de água para a Esquerra e o independentismo catalão encontra-se hoje enfraquecido. Não desapareceu, é um facto. Mas s sua força política está nitidamente em queda. Aliás, os partidos nacionalistas foram de certo modo humilhados com a vitória do PSOE catalão nas duas últimas eleições realizadas. A Esquerra Republicana ainda preside ao governo regional, a Generalitat, através de Pepe Aragonés, mas a governação tem sido uma sucessão de problemas e conflitos e, do ponto de vista da efetividade da governação, a experiência de governo regional está a anos luz dos bons tempos de outrora. Mas, mais do que qualquer outra pedra no sapato, diremos mais um valente calhau, é o problema da água que coloca o independentismo catalão num beco sem saída, que mais o enfraquece.

Nas suas formas mais extremas e radicais, o independentismo catalão assenta em posições e derivas que me irritam profundamente. Em certos momentos, exacerbando sentimentos e valores que têm origem no catalanismo cultural mais profundo, cujas raízes entendo, os nacionalistas catalães entraram, por vezes, por mundos indecorosos, como o do supremacismo catalão. Tudo se passava como se a Catalunha assentasse em valores de cidadania superiores ao de outras regiões de Espanha (a Andaluzia e a região de Madrid sempre foram o elemento de comparação para os mais extremados independentistas) e é nessa base que o independentismo catalão se afasta e combate o chamado “espanholismo”. O ridículo desta situação é pressentido mesmo por aqueles que, sendo catalanistas mas não independentistas, sempre se orgulharam das suas raízes, embora por vezes com tentativas de reescrita da história que não resistem a uma análise histórica rigorosa.

Um dos grandes argumentos frequentemente utilizados para justificar a não solidariedade da Catalunha com as restantes regiões de Espanha, é a pressuposta tese de que a Catalunha financia a restante Espanha, com transferências de recursos out superiores à transferência de recursos in. Nunca dei de caras com qualquer estudo rigoroso da perequação fiscal em Espanha que fundamentasse esta posição quer do independentismo, quer também de algum catalanismo mais moderado. Quer isto significar que, não ignorando alguns momentos históricos em que a Espanha e a Catalunha entraram em conflito, não parece haver qualquer base objetiva para as escusas de solidariedade da Catalunha para com as restantes regiões espanholas.

Quis a ironia das coisas que a Catalunha enfrentasse nos dias de hoje um problema cuja resolução sem a consideração de princípios de equidade solidária será praticamente impossível.

A Catalunha depara-se com um problema climático severo de seca, que a coloca numa situação de fortíssima vulnerabilidade, porque não dispõe das reservas de água necessárias para sequer mitigar o problema. Não tenho informação técnica rigorosa que me permita explicar as razões da inexistência na Região de “embalses” e reservatórios suscetíveis de dar alguma ajuda a uma gestão mais planeada das reservas de água, sobretudo se pensarmos que a Região está na bacia do Ebro, conhecida por não ser propriamente uma bacia em que não chova.

Coloca-se, por conseguinte, a questão de saber como é que a não solidária Catalunha se posiciona face a um problema que para ser mitigado exige que outras regiões forneçam a água que ela não conseguiu armazenar?

Por tudo isto, o independentismo catalão tem uma pedra no sapato que não é pequeno. Chama-se água. Incompatível com o seu nacionalismo.

 

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