(Quando percebi que os fatores de dinamismo político-eleitoral na Galiza estavam focados na tensão entre o forte crescimento do Bloco Nacionalista Galego eficazmente liderado por Ana Pontón e a urgente necessidade do PP conservar a sua maioria absoluta regional, antecipei com clareza que a noite de 18 de fevereiro de 2024 iria ser de pesadelo para as hostes do PSOE. Como o foi, de facto. O forte crescimento do BNG foi essencialmente construído às custas desse mesmo PSOE, com forte relevo nas áreas urbanas, perdendo é certo o PP um número reduzido de lugares, mas como a vantagem anterior era muito elevada, nada na prática impediu a primeira maioria absoluta de Alfonso Rueda. Se estas eleições trazem alguns ensinamentos, eles acontecem sobretudo em torno dos malefícios dos níveis nacional e regional da política interna aparecerem misturados sem critério justificado, mais por necessidade oportunista do que propriamente como resposta a inquietações reais dos eleitores. Explicar-me-ei nos próximos parágrafos.)
Sabemos que o governo de Sánchez vive momentos difíceis em grande medida resultantes da própria estratégia seguida em matéria de coligações e acordos para governar. Essas dificuldades tanto podem ser medidas pela extrema dificuldade em conseguir acordos em tão heterodoxa coligação, como pela diferença que hoje existe nas sondagens mais recentes entre a quota eleitoral do PP a nível nacional e a do PSOE.
Ora, neste contexto, PP e PSOE arriscavam coisas muito diferentes na infeliz ideia de utilizar as eleições regionais galegas como alavanca das suas desiguais posições a nível nacional.
Feijoo decidiu inventar e descaiu-se com hipóteses de perdão a Puigdemont, o PP mais tradicional tremeu, o VOX agradeceu momentaneamente para acordar da sua letargia e divisões internas, mas a maioria sociológica do PP na Galiza é muito pesada. Fraga sabia destas coisas como ninguém e preparou durante largos anos essa maioria, que Feijoo se limitou a pintar com alguns sinais de modernidade tecnocrática.
Quanto ao PSOE de Sánchez, utilizar essa mesma tentativa de mobilizar as regionais galegas como salvação momentânea é ainda mais obtuso. Os fatores de dinamismo eleitoral galego não estão de facto no PSOE regional há demasiado tempo. É hoje sabido que a haver algum aproveitamento possível do desgaste criado pela maioria absoluta no Governo regional ele está no partido regionalista galego de Ana Pontón, o BNG, e não no PSOE. Os 14% de eleitorado que são hoje apropriados pelo PSOE galego correspondem a indefetíveis do partido, como eu o seria se votasse na Galiza, mas são um capital eleitoral que está relativamente inerte. Tem muito de cultural e certamente não alinham com o folclore do BNG, ainda que se reconheça a Ana Pontón uma especial capacidade de liderança e de interação com o público em geral. Foi assim uma prova de enorme fraqueza, cujas consequências começo a antecipar, Sánchez querer catapultar-se em inferioridade manifesta do regional para o nacional. O cenário próximo é conhecido: os 31,6% do BNG farão a figura de sombra obscura ao PSOE galego, o qual ficará tolhido por esse motivo para uma oposição mais consequente ao governo de Rueda, cavando ainda mais fundo a irrelevância política do partido a nível regional. O PSOE galego deixará de contar para a tensão política galega, a qual passará a desenrolar-se entre o PP e o BNG. O que paradoxalmente contará também para o nível nacional: o reforço dos regionalismos nacionalistas a nível regional em nada contribuirá para reforçar a coligação de Sánchez a nível nacional.
É por tudo isto que considero que a Espanha está a transformar-se num apetecível laboratório de experimentação política. É difícil haver na Europa um contexto tão consolidado de luta política tão acesa entre partidos nacionais e partidos regionalistas como aquele que é vivido em Espanha por estes tempos. Sigamos com atenção esta matéria, mas muito sinceramente o aroma e o sentido político que daqui se inferem não são lá muito entusiasmantes.
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