(Por vezes hesitantes e perturbadas pela instabilidade climática, umas vezes apressadas, outras retardando o aparecer, as aleluias tendem a acompanhar o ritual da Páscoa e o desanuviamento dos dias que as férias, ainda que curtas, proporcionam. E aí estão elas, esta semana ainda não totalmente no seu esplendor de branco, mas compondo a frente de jardim que dá para o Coura e para o Minho, onde as garças e outras companhias se dissimulam, tirando partido dos meandros mais recônditos que o sapal lhes proporciona. Entretanto, o tempo distendido não dá para grandes reflexões. No nosso limitado ambiente cívico, dá para perceber que a derrota de Augusto Santos Silva proporcionou a alguns ressabiados da nossa praça maior alegria do que a vitória da AD e a ascensão do Chega e é vê-los exultantes a esgrimir os mais canhestros argumentos, de falsa moralidade política, para justificar a sua incontida alegria. Neste contexto, o tema que mais sugere reflexão é o conjunto de consequências que o atentado de Moscovo pode provocar, seja na escalada da agressão russa à Ucrânia, seja no já agravado equilíbrio internacional, cada vez mais perigoso e volátil.)
É dramático como um acontecimento tão dramático como o de Moscovo, na sai dimensão trágica, suscita interpretações tão desencontradas, começando pela incerteza incómoda de ser difícil confirmar a sua origem. As últimas informações extraídas da imprensa internacional mais credível apontam para um possível ramo do Estado Islâmico, descendente das inúmeras transformações da Al Qaeda e ramificações talibãs, mas não deixam de ser sintomáticas as inúmeras hesitações suscitadas com essa identificação.
A interpretação mais lógica seria aquela que ponderaria o esforço de guerra russa na Ucrânia com a consequente e possível atenuação de vigilância no plano interno, o que teria dado abertura e oportunidade para que o terrorismo em território russo pudesse atacar com estrondo e dramatismo. Mas a implicação mais importante é a reiterada consequência das autoridades russas tirarem partido do trágico acontecimento para intensificar a sua ação securitária interna, com tudo o que isso traz de limpeza de suspeições. Mais ainda, os apaniguados de Putin mais identificados com a necessidade de incrementar a ação bélica sobre a Ucrânia vão tentar todos os possíveis para encontrar um possível link com forças desalinhadas na Ucrânia para justificar a intensificação da invasão, aproveitando a mudança para o modo defensivo, pour cause, em que as forças ucranianas se encontram neste momento.
Claro que, nestes momentos, as interpretações mais bondosas tenderão a interpretar o atentado como uma derrota de Putin na via de garantir aos russos a segurança interna, enfraquecendo mais a sua posição. A ingenuidade destas interpretações é manifesta, tanto mais que a história de atentados anteriores mostra que não fizeram mais do que endurecer o núcleo central do apoio de Putin e assim certamente ficaremos nos tempos imediatos.
Mas a principal implicação radica na crescente perigosidade do contexto mundial que um atentado desta natureza representa, ainda que tenha sido algo patética a alusão de alguns dos comentadores da nossa praça ao acontecimento de Sarajevo, apontando similaridades ao que precipitou a 1ª Guerra Mundial. Estou em crer que, por detrás da responsabilização do Daesh-Khorasan, haverá outras complexidades de um mundo oculo que não se recomenda e que só daqui as uns bons tempos teremos elementos para decifrar tal complexidade.
Não sabemos, por exemplo, a partir de que fontes as autoridades americanas terão identificado risco de atentado em Moscovo, de cuja comunicação as autoridades russas terão desdenhado.
Ou seja, o mundo está cheio de trevas de ocultismo e obscuridade e é nesse contexto que praticamente tudo se decide.
Os tempos da Páscoa convidariam a outra distensão. Poderemos obviamente procurá-la no âmbito da nossa proximidade, com as aleluias como ponto de inspiração. Mas lá longe, essa distensão não existe e está cada vez mais comprometida.
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