segunda-feira, 11 de março de 2024

SIM, A IMUNIDADE ERA FALSA

 

(Uma noite eleitoral estranha, com todos os condimentos para a formação do mau humor dos democratas sérios e convictos e nesta manhã húmida estou de facto de mau humor. Como assinalei em diversos posts ao longo dos últimos anos, visível por exemplo no interesse que dediquei ao tema dos populismos políticos e económicos, só por ingenuidade poderíamos pensar que a sociedade portuguesa estaria imunizada contra a emergência da internacional populista e retrógrada que percorre o mundo, particularmente a partir do momento em que a experiência Trump cavalgou a sociedade americana. Como previa, seria tudo uma questão de tempo. Mais do que a relativa surpresa dos 18% do Chega e da chegada ao Parlamento de 48 personagens que não convidaria para minha casa, é a transversalidade da sua emergência que é de facto impactante. Ainda não tive tempo de analisar resultados por município, mas a disseminação do voto do Chega por várias tipologias de territórios mostra, de facto, que o fenómeno tem de ser estudado com mais profundidade, para compreender as especificidades do modo como a internacional populista e antissistémica se manifesta em Portugal. E começo a ter dúvidas se alguma vez mais farei férias no Algarve. Estes resultados mostram que os principais partidos do sistema democrática subestimaram o fenómeno, talvez leiam pouco, escudando-se na ideia de um partido de um homem só, que é capaz com o mesmo fácies dizer algo e o seu contrário com o mais perfeito dos à vontades. E não quero imaginar a tourada em que o Parlamento vai transformar-se com 48 personalidades antissistema a corroer o tom e a racionalidade do debate parlamentar.)

Desta estranha noite eleitoral fica sobretudo a perplexidade dos comentadores que dias a fio inclinaram para a direita a bolha mediática, a patética alegria de Nuno Melo que tudo indica passará a ir regularmente a ir a Fátima a pé para celebrar a bondade de Montenegro em conceder-lhe a boia de salvação, a justificada e merecida alegria de Rui Tavares que eleva o seu Livre a uma dimensão mais proporcionada à qualidade das suas ideias, o tenso nervosismo de Pedro Nuno Santos cuja gravitas deixa a desejar, o tom fúnebre e irrepreensivelmente monocórdico de Paulo Raimundo ou o PCP em agonia e as garras da agressividade de Ventura a preparar caminho.

Quanto aos 18% do Chega e à sua transversalidade territorial, a grande questão dos próximos tempos a analisar é compreender qual é a verdadeira dimensão do voto de protesto que está contida naquela percentagem. Continuo a defender que nessa percentagem está contida uma proporção que não consigo quantificar de não democratas que andou escondida por várias forças políticas, que nunca digeriu a mudança de regime e de costumes. Aconteceu assim em Espanha com a explosão do VOX, hoje relativamente mais contida. Mas não me custa admitir que com esta expressão quantitativa e territorial existe aqui uma dimensão de voto de protesto cujas origens têm de ser estudadas em profundidade, se pretendermos que a democracia possa combater eficazmente o fenómeno.

Creio que o principal impacto desta explosão do Chega estará nos efeitos reativos que a presença de uma massa tão importante de deputados no Parlamento irá tender a provocar no PSD-CDS (acaso a governação passe por aqui) ou no PSD-CDS-IL se os entendimentos integrarem o partido de Rui Rocha. Esse movimento reativo de autodefesa está a acontecer por toda a Europa e é essa insegurança de posições que tem engrossado sistematicamente a direita mais radical. Como tenho insistido sistematicamente, essa autodefesa de imitação é um suicídio, o eleitor descontente tem faro suficiente para preferir o original à cópia.

Nunca um governo de direita, recentrada ou não, esse já não é o problema central, enfrentou uma situação tão complexa como a que o putativo governo de Montenegro irá ter que gerir. Espera-se que, pelo menos, o governo a constituir inspire alguma confiança e respeito, pois disso irá precisar em doses de cavalo.

Quanto ao PS, acho que o principal objetivo consistirá em desde já preparar as Europeias que estão aí à bica. Como partido europeísta e com capacidade para produzir um discurso crítico dos rumos que a União está a assumir, as Europeias poderão ser uma excelente oportunidade para renovar o discurso político nessa onda e, de uma vez por todas, fazer entrar na campanha temas que estiveram lamentavelmente fora desta última. Nervos de aço vão ser necessários. A tensão de PNS na noite eleitoral não constitui bom augúrio.

Nota final:

O PS ganhou em Caminha. De mal o menos. Tenho garantido o meu refúgio.

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