segunda-feira, 4 de março de 2024

O TORTUOSO RECENTRAMENTO DA AD

 

(Devo confessar que toda a antecâmara das eleições de 10 de março, incluindo a campanha eleitoral em curso, tem sido muito pouco estimulante em matéria de ideias e temas para este blogue. Embora não possa dizer que tenha estado desligado do processo, a verdade é que sou a todo o momento surpreendido por aspetos e referências que me tinham escapado, indicador evidente do meu reduzido seguimento do processo. Tenho para mim que, nas condições atuais de fulanização mediatizada da política, o confronto entre Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos não é propriamente estimulante, nem política nem intelectualmente, por razões que por aqui fui expondo muito antes da campanha estar na rua. Por isso, tenho-me visto em “palpos de aranha” para encontrar um tema que dignifique este blogue e apetece-me dizer que “desanuviar é preciso”. Porém, esta semana emergiu um tema que suscita um mínimo de interesse e que vale a pena transpor para este espaço, embora sem qualquer pretensão de o utilizar para efeito de previsão eleitoral. Aliás, estou com alguns “bad feelings” acerca da noite de 10 de março. O tema em causa poderia formulá-lo como o difícil recentramento da AD, que não é mais do que enunciar a extrema dificuldade que Montenegro tem tido de reorientar a sua campanha para o centro político, procurando ganhar vantagem no universo de eleitores que ao centro costuma decidir dos rumos do acesso ao poder. Diria que a tarefa é hercúlea, não só porque na mediatização das ideias ela exige persistência e arte, mas porque fundamentalmente Montenegro se vê forçado a limpar a porcaria que outros dos seus vão lançamento os microfones ou blocos de notas dos desesperados jornalistas em busca de um título forte.)

Estou decididamente entre aqueles que não conseguiram ver na reedição da AD algo de vantajoso para os objetivos do PSD. Se excetuarmos o oráculo Marques Mendes cada vez mais a navegar na mais completa banalidade, que se regozijou com a aliança, não se entende bem o que é que a AD pode trazer à estratégia de Montenegro de levar de novo o PSD ao poder. A massa de eleitores que o CDS de Nuno Melo e do PPM do enclausurado à força Gonçalo Câmara Pereira poderão trazer na distribuição do número de deputados será muito provavelmente irrisória, não compensando a série diversificada de incómodos e falsas partidas que a aliança teve de enfrentar.

Há que reconhecer que o esforço de Montenegro foi notório no recentramento da mensagem política, sempre com a sombra do Chega a morder-lhe os calcanhares. Estima-se que esta eleição não será muito diferente das anteriores. É verdade que a polarização é maior e que a dimensão antissistémica do Chega é um facto novo, mas tudo indica que a grande instabilidade do bloco de eleitores que vota ao centro será ainda desta vez importante para decidir o resultado. Mas também é fácil concluir que todo o posicionamento político-eleitoral da AD parece colado com material de fraca qualidade, não resistindo às intervenções na campanha de alguns visitantes, como o foram o aparecimento do ressabiado Passos Coelho e do centrista Paulo Núncio, trazendo canhestramente para a campanha os temas da imigração e da insegurança e do aborto. O significado do aparecimento destes dois personagens na campanha mereceria um estudo profundo, podendo questionar-se se o ex-líder da bancada parlamentar do PSD nos tempos de Passos, Montenegro, desejou freudianamente que, interpostamente, alguém tivesse trazido para a campanha aqueles temas ou se, pelo contrário, pensou que com amigos destes é difícil traçar uma estratégia eleitoral consequente. Dou de barato que seja esta segunda interpretação a que devemos seguir. Mas, de qualquer modo, o que posso concluir é que o recentramento da AD é uma via que será sempre tortuosa.

É neste contexto que se compreende o desesperado comentário de Lobo Xavier ontem no Princípio da Incerteza quando em palavras cruas ele dizia a todos os personagens da AD saudosos do palco mediático que se calassem esta semana e que deixassem a boca de cena apenas a Montenegro, diria eu para não borrar a pintura ou para perturbar com ruído o objetivo do recentramento.

Devo dizer que nunca compreendi a reverência que uma grande parte da comunicação social portuguesa dedicou ao pretenso “estadismo” de Passos Coelho e, ao contrário dos que atribuíram o estatuto de infeliz à intervenção de Passos Coelho na campanha, em meu entender o personagem é mesmo assim. A sua coerência política não vai muito além de associar imigração e insegurança. E já agora é perfeitamente patético o artigo do senador José da Silva Peneda tentando mostrar que as atrocidades da Troika começaram no último governo de Sócrates para lavar a imagem de Passos com o melhor detergente da praça política. Outro que ficaria bem em estar calado no recôndito da sua reforma.

Quanto a Montenegro, Daniel Oliveira tem carradas de razão quando refere que o recentramento da AD enfrenta uma outra dificuldade que a cosmética mediática não pode apagar. É que o próprio Montenegro tem uma prática política no consulado de Passos que foi tudo menos a de moderado centrista. E essa memória dificilmente pode ser apagada.

Do lado do PS, o melhor indicador da fragilidade com que a candidatura de Pedro Nuno Santos se apresenta é o impacto da intervenção de António Costa no comício de sábado no Porto. A repercussão provocada pela intervenção de Costa mostra bem as dificuldades do emergente face ao legado do incumbente. Em política, o peso das afirmações e de quem as profere é um assunto tramado. A história, com o Ministério Público à mistura, ofereceu a Pedro Nuno Santos esta casca de banana. Não era este o timing da sua candidatura.

Com todo este contexto a remexer as minhas impressões, elas são do tipo “mixed feelings” a caminhar para os “bad feelings”. Se nestes dias até ao próximo domingo, nenhum facto político de relevo afetar o “momentum” da campanha, tudo pode acontecer, ou seja tanto o PS como a AD poderão vencer. E se há coisa que me intriga é haver um número tão elevado de indecisos. A minha explicação é a falta de peso dos principais adversários. Ou seja, não é a multiplicação da palavra que pode reduzir o número de indecisos. E se for de facto assim então no domingo teremos uma estranha reedição da lotaria nacional.

 

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