(Tal como o José Pacheco Pereira o assinala com rigor na sua crónica de hoje no Público, consagrar um dia de reflexão eleitoral numa sociedade que lê cada vez menos e que se esgota na alarvidade das redes, no comentário emocional, no insulto fácil, no fácil “vai com os outros”, é pura hipocrisia burocrática. Outros poderão estar indecisos, o que não é o meu caso. A minha opção é a de sempre, votar PS com mixed feeelings. Esses sentimentos misturados, por vezes confusos, têm uma única razão. A sucessão de liderança deveria ser um processo mais paulatino e pensado. Não o foi por tiros nos pés, desnecessários e destruidores de uma maioria absoluta e também, diria principalmente, por uma decisão do Ministério Público que está por demonstrar e que tudo indica foi extemporânea e não fundamentada por evidência sólida. Na vertigem de um momento político com estas características, tenho para mim que as forças políticas que podem operar a alternância democrática estão à partida em vantagem. Só de facto a incompetência e aselhice de uma AD que não é o que diz ser, que contém em si as forças da não moderação, como alguns eventos laterais da campanha bem o evidenciaram.)
Temos aqui a grande assimetria que vai atravessar o ato eleitoral de amanhã. Enquanto o desejo natural de alternância democrática favorece a AD, salvo danos autoinfligidos, na sucessão do PS o emergente enfrenta a inércia do incumbente. Entre rejeitar a herança política de oito anos, afirmando um rumo diferente, e capitalizar o peso do líder que sai, a procura de um equilíbrio ou de uma síntese constitui tarefa de grandes proporções, que não está ao alcance de qualquer um. E, obviamente, as lacunas estruturais da mensagem política do PS não podem ser ignoradas. Essas lacunas ou insuficiências têm essencialmente duas origens: por um lado, o PS deixou cavar um fosso demasiado grande relativamente à população jovem, incluindo a mais qualificada (o que não deixa de ser irónico e paradoxal, pois o aumento da taxa de participação no ensino superior é uma ocorrência dos oito anos de governação) – recuperar essa ligação não vai ser fácil, principalmente porque os rostos mais jovens do partido são pouco entusiasmantes no seu seguidismo das lideranças e na sua cristalização precoce; por outro lado, as justificadas políticas de equilíbrios orçamentais e de redução da dívida não balancearam, na justa medida, a necessidade de colmatar as insuficiências em serviços públicos cruciais para as condições de vida das pessoas, deixando que as situações se agravassem para além do tolerável e não contrariando as bolhas mediáticas da perceção, que foram sempre desfavoráveis ao governo. Se, na saúde, há questões estruturais e organizacionais que estão em meu entender para além do poder de intervenção de uma legislatura, já na educação penso que é sobretudo a longa permanência de uma equipa ministerial que explica a não compreensão da essência dos problemas e a incapacidade de perceber que um novo sistema, o de educação e formação, e não apenas o sistema educativo, está em formação, exigindo novas e imaginativas respostas. No caso da justiça, a grande oportunidade de um acordo de regime com o PSD de Rui Rio perdeu-se, tendo como resultado a emergência de uma agenda política no Ministério Público, onde a procura se arrasta penosamente até a uma reforma que estará seguramente próxima.
Já por repetidas vezes que, ao contrário do apreço que sinto por algumas personalidades sociais-democratas (Laborinho Lúcio, Jorge Moreira da Silva, Valente de Oliveira e outros nesta linha de Senhores da política), o arrivismo que paira pela AD e a ilusão de um recentramento que não existe causa-me irritação, alergias respiratórias e até repugnância.
Alguém próximo me dizia ontem que, mal viu as sombras mumificadas de Cavaco Silva e Ferreira Leite na primeira frente da campanha, se apressou espontaneamente a engrossar a arruada no Chiado do PS. É também a minha reação instintiva. Apesar disso, os meus mixed feelings sobre os resultados de amanhã mantêm-se.
Até domingo à noite.
Sem comentários:
Enviar um comentário