terça-feira, 11 de outubro de 2022

DO ORÇAMENTO E SEU ENTORNO


(Idígoras y Pachi, http://www.elmundo.es) 

Como é óbvio, não cabe nas ambições deste espaço a análise circunstanciada do Orçamento de Estado. Isso fica para os reconhecidos ou alegados especialistas, que têm neste período o seu momento de glória, e para o trabalho ocasional de algum jornalismo pouco esclarecido mas altamente especializado nesse fugaz entretenimento de ir escarafunchando o possível numa e noutra direção. Ainda assim, não quero deixar de me pronunciar sobre alguns pontos que considero mais cirurgicamente relevantes e bem ilustrativos da leitura pragmática que António Costa tem daquele que é o seu papel de líder de governação de um pequeno e frágil país europeu como o nosso.

 

Começo pela entrevista que o ministro das Finanças concedeu esta noite à SIC e a José Gomes Ferreira, com este claramente obcecado pela ideia de ferrar os seus dentes em Medina para denunciar as suas maldades escondidas e os seus erros manifestos e a acabar, finalmente, por sair derrotado em toda a linha por um ministro surpreendentemente preparado e focado dentro do quadro que lhe é dado gerir.

 

Prossigo com o essencial do Orçamento em apreciação, deixando de lado os detalhes em que sempre se esconde o Diabo, ou seja, toda uma miríade de medidas positivas e negativas que por ele perpassam (incluindo por omissão ou truque, como acontece nos domínios do investimento público, da fiscalidade empresarial e da energia). Trata-se de um documento cauteloso, quer pelos pressupostos macroeconómicos que adota (se, por milagre, eles se viessem a aproximar da realidade, Medina ficaria na nossa pequena história, sendo que a inversa, aliás mais crível, é igualmente verdadeira porque necessariamente conducente a ajustamentos bastante dolorosos) quer pelas grandes opções que evidencia em termos explícitos ou subliminares (com a redução do peso da dívida pública e a salvaguarda de uma margem de manobra financeira futura a serem as mais contestadas em vários meios e aquelas que surgem como as mais acertadas enquanto resposta prudente, perante a fortíssima incerteza que nos envolve, à nossa periclitante situação perante os sacrossantos mercados).

 

Depois, temos a questão dos rendimentos e a penalização conjunturalmente escolhida dos funcionários públicos e dos pensionistas, o habitual campo de captação eleitoral do Partido Socialista (a recompensa compensatória será seguramente guardada para mais adiante no tempo...). Com a classe média a não lograr mais uma vez grande espaço de respiração, designadamente pelo conservador tratamento da dimensão fiscal (IRS) adotado na peça orçamental.

 

Mas maior novidade do que o próprio Orçamento foi o adjacente “Acordo de Médio Prazo para a Melhoria dos Rendimentos, Salários e Competitividade” que o primeiro-ministro assinou com o patronato e a UGT no Domingo. “Uma grande vitória política de António Costa”, como defendeu João Miguel Tavares, ou uma mão cheia de quase nada (porque só tornada possível pela habilidade negocial e capacidade de dividir para reinar do chefe de Governo e pela fragilidade nunca vista dos parceiros privados na concertação social e das gastas figuras que atualmente os representam)? Em meu entender, sim a ambas as coisas, já que as duas não são mutuamente exclusivas. Enquanto a concretização do Acordo correspondeu a um facto inédito no País desde os governos de Guterres, o que não deixa de ser assinalável, confesso que o que mais me impressionou foi a revelação do estado de depauperamento e de incapacidade de afirmação própria a que chegaram a CAP (Oliveira e Silva), a CIP (António Saraiva), a CTP (Francisco Calheiros) e a CCP (Vieira Lopes), sem falar da correia de transmissão partidária que é esta UGT de Mário Mourão; por razões bem diferentes entre si, é certo, mas foi chocante assistir à assinatura daquelas confederações sem tugirem nem mugirem, quiçá talvez em troca de um prato de lentilhas que lhes foi servido individualmente e por forma a satisfazer o respetivo gosto imediato. A defesa dos interesses da iniciativa privada em Portugal está notoriamente moribunda, assim acompanhando uma sociedade civil nacional cada vez mais desligada e ausente.

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