quarta-feira, 5 de outubro de 2022

O TRICKLE DOWN EVAPOROU-SE!

 


(O Reino Unido e a chegada ao poder da esganiçada Liz Truss têm sido uma rara oportunidade de teste de ideias económicas que alguns, Krugman à cabeça, designam de economia zombie, no sentido de que continuam a pairar sobre os rumos possíveis da política económica sem fundamentos que justifiquem a sua resistência. Aquilo que a primeira-ministra do Reino Unido e o seu chancellor Kwasi Kwarteng quiseram aplicar foi uma abordagem testada com relativo êxito nos governos de Ronald Reagan nos EUA que costuma ser designada de “trickle down economics”. A ideia de base da “trickle down” assenta no pressuposto de que a descida de impostos aos mais ricos liberta forças de investimento e de crescimento económico que compensariam o agravamento da desigualdade. Liz Truss e o seu Chancellor assumiram com desplante esta abordagem, apresentando-a como algo que teria de acontecer para que alguma coisa mudasse em relação à confusão errática criada por Boris Johnson. Uma vez mais se demonstrou que o contexto em que estas abordagens são aplicadas é fundamental. Uns dias bastaram para que o “trickle down” se evaporasse, gerando uma entrada de leoa e uma adaptação de curto prazo de sendeira.

O mais interessante desta questão resulta da procura das razões que podem explicar a vida curta que a “trickle down” teve neste início do governo de Liz Truss. O que basicamente aconteceu foi que os mercados financeiros reagiram mal à pirueta da descida de impostos para os mais ricos. Entenderam os mercados que o endividamento que o governo de Truss iria assumir para compensar o buraco da descida de impostos, prometendo ao mesmo tempo muita despesa pública para compensar o crescimento da inflação, era despropositado e suicidário. A libra começou a desvalorizar seriamente, obrigando o Banco Central a intervir nos mercados com subidas de taxas de juro, não para refrear a pressão inflacionista, mas para colmatar a política suicidária de Truss.

Como Paul Krugman inteligentemente registou, os mercados reagiram no Reino Unido como se a libra fosse uma moeda de uma economia pouco credível, o que é espantoso dada a posição tradicional da moeda britânica. Não deixa assim de constituir uma profunda ironia que tenham sido os mercados a obrigar que Truss e Kwarteng colocassem o rabinho entre as pernas e tenham recuado no seu propósito de libertação fiscal para os mais ricos.

Este é o ponto que merece profunda meditação. Foram os mercados que fizeram evaporar a experiência da “trickle down economics”. Imagino que no Parlamento britânico se afiem as facas entre os Conservadores. Se os Trabalhistas não forem capazes de aproveitar esta estranha situação então poderão hibernar durante longo tempo.

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