quinta-feira, 28 de março de 2013

AZÁLIAS, ALELUIAS E O REGRESSO DE SÓCRATES

(Com a devida vénia ao DN - Orlando Almeida - Global Imagens)


Uns dias por Seixas, com uma ida ao Porto em trabalho e muita coisa para fazer no portátil que nos mantém sob a pressão inclemente de um trabalho que nunca acaba, a braços com uma chuva impiedosa que praticamente impede de ver o florescer das azálias, a graça das aleluias que correm o risco de perecer precocemente e a lenta transição da folhagem dos carvalhos para o verde irrepetível que os diferencia.
Entregue às limitações de uma televisão digital que, apenas com os quatro canais de ampla difusão e uma multidão desinteressante de canais espanhóis, nos priva dos canais de informação SIC Notícias, TVI 24 e RTP Informação, tenho uma perspetiva muito truncada do que foi a entrevista a José Sócrates, da qual terei visto praticamente apenas o último terço.
Sócrates é de facto uma personalidade muito previsível. Do que vi, nada ficou desfocado do que estava à espera. Combativo, telegénico embora mais consumido pelo tempo (mas quem o não está), fiel à sua estrutura de argumentação, acaba sempre por condicionar os jornalistas mesmo os mais contundentes e, neste caso, Vítor Gonçalves e Paulo Ferreira estão, ou estiveram, longe de o ser.
Das poucas vezes que me cruzei e privei com o ex-primeiro ministro, a esta distância já posso relatar uma das minhas experiências mais demonstrativas da personalidade combativa de José Sócrates. Por amabilidade do meu amigo Professor Alberto Castro tive o prazer de participar numa reunião no Porto, no Palácio da Bolsa, na qual o ex-primeiro ministro se dispunha a ouvir algum pensamento a norte, com jantar seguido de brainstorming. Para além do Professor Alberto Castro, Daniel Bessa e eu próprio (um grupo dito universitário), a reunião envolveu alguns empresários, Artur Santos Silva (BPI), Paulo Azevedo (SONAE), Rui Moreira (Associação Comercial do Poto e anfitrião), Pai Portela (Bial), representante grupo Amorim, Artur Duarte então AEROSOLES e a equipa do primeiro-ministro que envolvia nessa noite o ministro Fernando Teixeira dos Santos e o assessor Vítor Escária. Sócrates tinha chegado de Singapura com jetleg, tinha estado nesse dia no Parlamento, assistiu antes de jantar a uma reunião com investigadores na Universidade do Porto, jantou connosco e propunha-se ouvir o que o “pensamento” do Norte tinha para dizer. Ora, de acordo com os meus cálculos o brainstorming terá começado por volta das 22.30-23.00, Sócrates terá falado convicto e combativo cerca de 80% do tempo que durou a reunião e que terá acabado por volta das três e meia da madrugada. Uma noite que nunca esquecerei sobretudo porque nessa manhã o meu síndroma de Ménière apareceu (vão se lá saber as causalidades da medicina!) e passei a partir daí um mau bocado, hoje parece que adormecido.
Há demonstrações face to face que valem por manuais. Esta foi uma delas. Combatividade, obsessão argumentadora, grande preparação de dossiers, fixação em alguns números e muito reduzida capacidade de ouvir a reflexão dos outros. Nunca mais aquela impressão se desfez na minha memória apreciativa. Ontem, no terço de entrevista que captei, tudo isso reapareceu e o meu síndroma de Ménière parece continuar adormecido o que me chega por agora.
Só um ponto mais. Já não há pachorra para ouvir o ex-primeiro ministro a desfiar números das PPP e no dia seguinte o jovenzinho Meneses aparecer a reclamar falsidade e mentira dos mesmos. Num país decente e “accountable” haveria uma instituição tipo Tribunal de Contas que apresentaria ao povo os números acima de qualquer controvérsia não esclarecedora. E se não emergisse tal instituição um grupo de personalidades independentes e acima de qualquer pressão elaboraria um relatório tipo livro branco ou avaliação e colocaria os pontos nos iii. Pelos vistos nem estamos num país nem decente nem “accountable”.
Fiquei entretanto com a ideia de que a esperança da maioria em que o regresso de Sócrates suscitasse uma ampla reação, retirando o foco da agressividade popular do governo, vai ser mais um flop. Ou muito me engano ou Relvas vai ter mais um dossier acerca do qual alguém lhe vai pedir contas, sobretudo pelos efeitos colaterais imprevistos que poderão associados à abertura do espaço da TV pública para o regresso ao debate do ex-primeiro ministro. Quanto à picadela em Cavaco não é isso propriamente que preocupa a maioria.

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