(Com a devida vénia ao DN - Orlando Almeida - Global Imagens)
Uns dias por Seixas, com uma ida ao Porto em
trabalho e muita coisa para fazer no portátil que nos mantém sob a pressão
inclemente de um trabalho que nunca acaba, a braços com uma chuva impiedosa que
praticamente impede de ver o florescer das azálias, a graça das aleluias que
correm o risco de perecer precocemente e a lenta transição da folhagem dos
carvalhos para o verde irrepetível que os diferencia.
Entregue às limitações de uma televisão digital
que, apenas com os quatro canais de ampla difusão e uma multidão
desinteressante de canais espanhóis, nos priva dos canais de informação SIC Notícias,
TVI 24 e RTP Informação, tenho uma perspetiva muito truncada do que foi a
entrevista a José Sócrates, da qual terei visto praticamente apenas o último
terço.
Sócrates é de facto uma personalidade muito
previsível. Do que vi, nada ficou desfocado do que estava à espera. Combativo,
telegénico embora mais consumido pelo tempo (mas quem o não está), fiel à sua
estrutura de argumentação, acaba sempre por condicionar os jornalistas mesmo os
mais contundentes e, neste caso, Vítor Gonçalves e Paulo Ferreira estão, ou
estiveram, longe de o ser.
Das poucas vezes que me cruzei e privei com o
ex-primeiro ministro, a esta distância já posso relatar uma das minhas experiências
mais demonstrativas da personalidade combativa de José Sócrates. Por
amabilidade do meu amigo Professor Alberto Castro tive o prazer de participar
numa reunião no Porto, no Palácio da Bolsa, na qual o ex-primeiro ministro se
dispunha a ouvir algum pensamento a norte, com jantar seguido de brainstorming. Para além do Professor
Alberto Castro, Daniel Bessa e eu próprio (um grupo dito universitário), a
reunião envolveu alguns empresários, Artur Santos Silva (BPI), Paulo Azevedo
(SONAE), Rui Moreira (Associação Comercial do Poto e anfitrião), Pai Portela
(Bial), representante grupo Amorim, Artur Duarte então AEROSOLES e a equipa do
primeiro-ministro que envolvia nessa noite o ministro Fernando Teixeira dos
Santos e o assessor Vítor Escária. Sócrates tinha chegado de Singapura com jetleg, tinha estado nesse dia no
Parlamento, assistiu antes de jantar a uma reunião com investigadores na
Universidade do Porto, jantou connosco e propunha-se ouvir o que o “pensamento”
do Norte tinha para dizer. Ora, de acordo com os meus cálculos o brainstorming terá começado por volta
das 22.30-23.00, Sócrates terá falado convicto e combativo cerca de 80% do
tempo que durou a reunião e que terá acabado por volta das três e meia da
madrugada. Uma noite que nunca esquecerei sobretudo porque nessa manhã o meu síndroma
de Ménière apareceu (vão se lá saber as causalidades da medicina!) e passei a
partir daí um mau bocado, hoje parece que adormecido.
Há demonstrações face to face que valem por manuais. Esta foi uma delas.
Combatividade, obsessão argumentadora, grande preparação de dossiers, fixação em alguns números e
muito reduzida capacidade de ouvir a reflexão dos outros. Nunca mais aquela
impressão se desfez na minha memória apreciativa. Ontem, no terço de entrevista
que captei, tudo isso reapareceu e o meu síndroma de Ménière parece continuar
adormecido o que me chega por agora.
Só um ponto mais. Já não há pachorra para ouvir o
ex-primeiro ministro a desfiar números das PPP e no dia seguinte o jovenzinho
Meneses aparecer a reclamar falsidade e mentira dos mesmos. Num país decente e “accountable” haveria uma instituição
tipo Tribunal de Contas que apresentaria ao povo os números acima de qualquer
controvérsia não esclarecedora. E se não emergisse tal instituição um grupo de
personalidades independentes e acima de qualquer pressão elaboraria um relatório
tipo livro branco ou avaliação e colocaria os pontos nos iii. Pelos vistos nem
estamos num país nem decente nem “accountable”.
Fiquei entretanto com a ideia de que a esperança
da maioria em que o regresso de Sócrates suscitasse uma ampla reação, retirando
o foco da agressividade popular do governo, vai ser mais um flop. Ou muito me engano ou Relvas vai
ter mais um dossier acerca do qual alguém lhe vai pedir contas, sobretudo pelos
efeitos colaterais imprevistos que poderão associados à abertura do espaço da
TV pública para o regresso ao debate do ex-primeiro ministro. Quanto à picadela
em Cavaco não é isso propriamente que preocupa a maioria.
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