Do último “Quadratura do Círculo” o
registo para memória futura e sanidade presente de algumas opiniões expressas
por José Pacheco Pereira. Numa seleção de cinco grandes tópicos, obviamente
organizados sob a minha inteira responsabilidade; como segue:
·
“Nós estamos há três anos, há dois anos a discutir
sempre a mesma coisa. E, de um modo geral, sabemos quais são as linhas dessa
discussão: há uma interpretação, durante muitos anos o País excedeu-se, gastou
muito mais do que aquilo que produzia, as famílias endividaram-se, o Estado
endividou-se e, a uma dada altura, entrou-se em bancarrota ou numa
pré-bancarrota, assinamos o memorando e, a partir daí, há uma gestão para
voltar àquilo que o Fernando Ulrich chamou normalidade financeira. (…) Nós
precisamos de regressar a uma normalidade financeira, eu não ponho isso em
causa. A questão que se coloca é outra: é que eu acho que as pessoas estão a
desprezar o enorme barril de pólvora que neste momento é Portugal em 2013. E
estão a menosprezá-lo porque não fazem entrar nas suas análises, mesmo
económicas, (…) e esquecem o seguinte: esquecem-se que não é governável em
democracia (…), por um período de tempo que é o período de tempo que os homens
da economia e das finanças nos dizem que vai durar esta crise, não é governável
em democracia o País. Ou seja: não é sustentável o melhor dos programas
económicos e financeiros. Pode ser sustentável na pena e na análise dos
economistas, não é sustentável por exemplo no voto. Nas próximas eleições,
mesmo admitindo que elas ocorram à data prevista, vai ganhar as eleições quem
propuser o fim deste programa de austeridade.”
·
“O meu problema é o seguinte: os responsáveis
políticos, porque em primeiro lugar isto é uma questão de política, não podem
ignorar os efeitos perversos no funcionamento do conjunto da sociedade, e
portanto também na economia, de um processo de empobrecimento. O empobrecimento
é um fenómeno dinâmico, é a única coisa, aliás em bom rigor, dinâmica na
sociedade portuguesa hoje. (…) Milhares de pessoas, colocadas em sítios
fundamentais para nós termos um País moderno e desenvolvido – ou seja, a
chamada classe média –, são essas pessoas que estão a empobrecer. E empobrecer
significa o quê? Significa não só perderem rendimento para poderem aplicar na
sua vida, nos seus gostos, nas suas opções (…) mas é outras coisas: estão a
perder as suas casas, estão a perder os seus carros, estão a perder a
possibilidade de educar os seus filhos, estão nalguns casos pura e simplesmente
já no limiar da pobreza, não são capazes de prever um futuro porque os pais
deixaram de poder ajudar ou eles deixaram de poder ajudar os pais ou deixaram
de poder ajudar os filhos, quer dizer, o processo de empobrecimento é um
processo muito dinâmico e muito global. Abrange coisas muito diferentes em famílias
diferentes, em circunstâncias diferentes e em profissões diferentes.”
·
“Portanto, este processo é um processo profundamente
perturbador da normalidade. Se o associarmos ao facto de o Estado estar a
tornar-se disfuncional, ou seja, vai continuar a ser caro mas vai ser disforme
– porque os cortes são feitos, em grande parte, seguindo a linha do curto prazo
e do corte imediato e não são pensados para um Estado moderno e efetivamente
não atingem aquilo que se pode deitar fora mantendo aquilo que é essencial –, o
que acontece é que nós vamos ter, e estamos a ter e há todos os sinais nesse
sentido, uma sociedade que não garante qualquer futuro e, pelo contrário,
garante uma perturbação permanente. Quando eu digo perturbação permanente eu
não me refiro apenas à conflitualidade social na rua, há muitas formas de
perturbação permanente: no comportamento eleitoral, numa abstenção maciça
eventual, há muitas formas que mostram a anomia na sociedade. Ora, como o
discurso político e o discurso de muitos responsáveis pela condução política e
financeira da situação atual, não olham para este processo de empobrecimento
como sendo um processo que tem um enorme efeito na economia, na sociedade e na
política, não são capazes de dar sustentabilidade nem àquilo que de positivo há
nas suas soluções.”
·
“Basta o processo atingir uma década, ou mais do que
uma década (…) – como é que se espera, subitamente, que uma sociedade que está
amorfa, que está apática, que está anómica (…) dê um salto apenas porque
algumas variáveis económicas (…) vão subitamente deixar de diminuir e haver
eventualmente um pequeno crescimento. Não dá, não dá mais. Este é o principal
inimigo de qualquer estabilidade. Ou seja, entramos num círculo vicioso, não é
só a espiral da recessão, nós temos uma recessão social que não é da mesma
natureza da recessão económica mas é igualmente uma espiral: ou seja, não é
fácil a uma sociedade que se abateu (…), é por isso é que eu acho patéticos,
por exemplo, os esforços do Governo de novo voltar a programas de investimento maciço
na Construção Civil depois de ter morto grande parte do tecido dessa mesma
Construção Civil com o argumento de que ele era antiquado, ultrapassado.”
·
“Enquanto nós não tivermos uma elite política,
económica e financeira (…) que compreenda que não há apenas variáveis
macroeconómicas, (…) não há apenas esse tipo de mecanismos para poder resolver
o problema português. O problema português, hoje, não é apenas um problema de
bancarrota de há dois anos. É o problema do que nós já fizemos nestes últimos
dois anos à sociedade portuguesa, que nós podemos considerar que nalguns
aspetos era inevitável – eu sempre disse que era preciso um programa de
austeridade – mas era necessário dar-lhe um tempo político que preservasse o
funcionamento da democracia. (…) A incompreensão real, até hoje, março de 2013,
de que não é possível, ao mesmo tempo, acontecer o que eles preveem que
aconteça – os otimistas, porque nem todos são otimistas – e estarem de facto a
desagregar o tecido social de uma forma que não deveria ter ido tão longe como
foi.”
Porque o “homem novo” de Gaspar, aquele
português bacterianamente puro que é suposto acreditarmos que resultará do
“ajustamento”, nunca passará da sua brilhantérrima cabeça. Disse Drummond:
eis
que o homem feito
em
laboratório
sem
qualquer defeito
como
no antigório,
acabou
com o Homem.
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