domingo, 17 de março de 2013

A RECESSÃO SOCIAL

 
Do último “Quadratura do Círculo” o registo para memória futura e sanidade presente de algumas opiniões expressas por José Pacheco Pereira. Numa seleção de cinco grandes tópicos, obviamente organizados sob a minha inteira responsabilidade; como segue:
 
·         “Nós estamos há três anos, há dois anos a discutir sempre a mesma coisa. E, de um modo geral, sabemos quais são as linhas dessa discussão: há uma interpretação, durante muitos anos o País excedeu-se, gastou muito mais do que aquilo que produzia, as famílias endividaram-se, o Estado endividou-se e, a uma dada altura, entrou-se em bancarrota ou numa pré-bancarrota, assinamos o memorando e, a partir daí, há uma gestão para voltar àquilo que o Fernando Ulrich chamou normalidade financeira. (…) Nós precisamos de regressar a uma normalidade financeira, eu não ponho isso em causa. A questão que se coloca é outra: é que eu acho que as pessoas estão a desprezar o enorme barril de pólvora que neste momento é Portugal em 2013. E estão a menosprezá-lo porque não fazem entrar nas suas análises, mesmo económicas, (…) e esquecem o seguinte: esquecem-se que não é governável em democracia (…), por um período de tempo que é o período de tempo que os homens da economia e das finanças nos dizem que vai durar esta crise, não é governável em democracia o País. Ou seja: não é sustentável o melhor dos programas económicos e financeiros. Pode ser sustentável na pena e na análise dos economistas, não é sustentável por exemplo no voto. Nas próximas eleições, mesmo admitindo que elas ocorram à data prevista, vai ganhar as eleições quem propuser o fim deste programa de austeridade.”
 
·         “O meu problema é o seguinte: os responsáveis políticos, porque em primeiro lugar isto é uma questão de política, não podem ignorar os efeitos perversos no funcionamento do conjunto da sociedade, e portanto também na economia, de um processo de empobrecimento. O empobrecimento é um fenómeno dinâmico, é a única coisa, aliás em bom rigor, dinâmica na sociedade portuguesa hoje. (…) Milhares de pessoas, colocadas em sítios fundamentais para nós termos um País moderno e desenvolvido – ou seja, a chamada classe média –, são essas pessoas que estão a empobrecer. E empobrecer significa o quê? Significa não só perderem rendimento para poderem aplicar na sua vida, nos seus gostos, nas suas opções (…) mas é outras coisas: estão a perder as suas casas, estão a perder os seus carros, estão a perder a possibilidade de educar os seus filhos, estão nalguns casos pura e simplesmente já no limiar da pobreza, não são capazes de prever um futuro porque os pais deixaram de poder ajudar ou eles deixaram de poder ajudar os pais ou deixaram de poder ajudar os filhos, quer dizer, o processo de empobrecimento é um processo muito dinâmico e muito global. Abrange coisas muito diferentes em famílias diferentes, em circunstâncias diferentes e em profissões diferentes.”
 
·         “Portanto, este processo é um processo profundamente perturbador da normalidade. Se o associarmos ao facto de o Estado estar a tornar-se disfuncional, ou seja, vai continuar a ser caro mas vai ser disforme – porque os cortes são feitos, em grande parte, seguindo a linha do curto prazo e do corte imediato e não são pensados para um Estado moderno e efetivamente não atingem aquilo que se pode deitar fora mantendo aquilo que é essencial –, o que acontece é que nós vamos ter, e estamos a ter e há todos os sinais nesse sentido, uma sociedade que não garante qualquer futuro e, pelo contrário, garante uma perturbação permanente. Quando eu digo perturbação permanente eu não me refiro apenas à conflitualidade social na rua, há muitas formas de perturbação permanente: no comportamento eleitoral, numa abstenção maciça eventual, há muitas formas que mostram a anomia na sociedade. Ora, como o discurso político e o discurso de muitos responsáveis pela condução política e financeira da situação atual, não olham para este processo de empobrecimento como sendo um processo que tem um enorme efeito na economia, na sociedade e na política, não são capazes de dar sustentabilidade nem àquilo que de positivo há nas suas soluções.”
 
·         “Basta o processo atingir uma década, ou mais do que uma década (…) – como é que se espera, subitamente, que uma sociedade que está amorfa, que está apática, que está anómica (…) dê um salto apenas porque algumas variáveis económicas (…) vão subitamente deixar de diminuir e haver eventualmente um pequeno crescimento. Não dá, não dá mais. Este é o principal inimigo de qualquer estabilidade. Ou seja, entramos num círculo vicioso, não é só a espiral da recessão, nós temos uma recessão social que não é da mesma natureza da recessão económica mas é igualmente uma espiral: ou seja, não é fácil a uma sociedade que se abateu (…), é por isso é que eu acho patéticos, por exemplo, os esforços do Governo de novo voltar a programas de investimento maciço na Construção Civil depois de ter morto grande parte do tecido dessa mesma Construção Civil com o argumento de que ele era antiquado, ultrapassado.”
 
·         “Enquanto nós não tivermos uma elite política, económica e financeira (…) que compreenda que não há apenas variáveis macroeconómicas, (…) não há apenas esse tipo de mecanismos para poder resolver o problema português. O problema português, hoje, não é apenas um problema de bancarrota de há dois anos. É o problema do que nós já fizemos nestes últimos dois anos à sociedade portuguesa, que nós podemos considerar que nalguns aspetos era inevitável – eu sempre disse que era preciso um programa de austeridade – mas era necessário dar-lhe um tempo político que preservasse o funcionamento da democracia. (…) A incompreensão real, até hoje, março de 2013, de que não é possível, ao mesmo tempo, acontecer o que eles preveem que aconteça – os otimistas, porque nem todos são otimistas – e estarem de facto a desagregar o tecido social de uma forma que não deveria ter ido tão longe como foi.”
 
Porque o “homem novo” de Gaspar, aquele português bacterianamente puro que é suposto acreditarmos que resultará do “ajustamento”, nunca passará da sua brilhantérrima cabeça. Disse Drummond:

eis que o homem feito
em laboratório
sem qualquer defeito
como no antigório,
acabou com o Homem.

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