sexta-feira, 22 de março de 2013

A CENSURA



O tempo político em Portugal acelerou muito para além do que António José Seguro (AJS) e o seu grupo mais próximo imaginaram que pudesse acontecer. É essa aceleração, mais do que o regresso de Sócrates às lides do comentário político em “prime time”, que explica a pressão política que se abateu sobre o Partido Socialista e o forçou à decisão de apresentar uma moção de censura ao governo, aparentemente sem data. Essa desvalorização do ritmo de progressão do tempo político ou se preferirem um simples erro de estimação (não é apenas o Governo que se engana) de tal ritmo acaba por colocar o Partido Socialista numa situação praticamente refém do pronunciamento do Tribunal Constitucional, o qual, em função do timing em que for anunciado, corre o risco de apagar o efeito da moção de censura. Mas isso não é matéria que preocupe o PS. Na verdade, o que AJS pretendia era acima de tudo não deixar-se encurralar pela referida e descontrolada (na sua perspetiva de cálculo) aceleração do tempo político. O que era fundamental era o sinal de descomprometimento com a ordem atual das coisas, a marcação de uma diferença de posicionamento, a expressão de um tímido que seja “basta”. Ora isso está conseguido e a decisão compreensível e lógica do PC e Bloco acompanharem tal moção respondem ao cálculo de momento de AJS.
Mas a complexidade dos efeitos da decisão emergirá a partir deste momento. Se o cálculo político de curto prazo está satisfeito, o de médio e longo prazo está aí ainda desafiante e suspenso. Os termos de futuro que a moção de censura terá necessariamente de fazer emergir constituirão o verdadeiro quebra-cabeças para o posicionamento de AJS. Com o cenário de eleições ainda nebuloso e, nessa hipótese, uma maioria absoluta muito difícil de atingir salvo uma completa reviravolta das projeções eleitorais conhecidas e com a cada vez menos provável capacidade da atual maioria gerar um outro governo, as grandes interrogações de sempre do PS voltarão a projetar-se na mensagem que pode transmitir aos portugueses: um acordo parlamentar e/ou de governo à direita ou ao centro em torno de um projeto mínimo de consolidação de contas públicas com estímulos via investimento ao crescimento, com algumas pitadas de reorganização da dívida? Um acordo parlamentar e de governo à esquerda com uma mais larga margem de reorganização da dívida e uma forte ênfase em políticas de redução do desemprego? Acordos pontuais à esquerda e à direita?
De todas estas condições, a única novidade que despontou no horizonte é a de uma maior vulgarização do tema da reorganização da dívida, à qual a entrevista de Kenneth Rogoff (o economista que, com Carmen Reinhardt, mais e melhor estudou os efeitos das crises soberanas) ao Expresso do passado sábado, brilhantemente explorada hoje por Francisco Louçã no seu comentário com Ana Lourenço (outro felizardo), veio prestar um enorme favor. A pata na poça das instituições comunitárias na resolução com os pés e não com a cabeça do caso de Chipre pode abrir caminho a uma maior audiência das teses de Rogoff, as quais consistem afinal na demonstração da inequívoca evidência histórica de que as crises soberanas ou se resolvem com reorganizações de dívida ou implicam longos períodos de perturbação e empobrecimento.
Imaginando que o PS se pode transformar no centro de gravidade do próximo tempo político, não será essa centralidade que atenuará as dores de cabeça de AJS. A preparação de uma alternativa com um mínimo tempo de maturação colocará a interrogação de sempre ao PS que é a de saber quem vai ser o companheiro de viagem. A única opção possível para atenuar as dores de cabeça será construir uma visão sólida de governação, com um programa claro e ajustado à situação difícil da economia portuguesa, despertando por essa via apoios parlamentares e/ou de governo à esquerda ou à direita. Certamente que nessa alternativa de governação contarão muito os programas e os rostos para a economia e para o emprego. Mas, como já repetidas vezes insisti nessa tese, por mais estranho que o possa parecer, será tão ou mais importante saber quem o PS apresenta para consolidar efetivamente as contas públicas. Ou seja, quem é o Ministro das Finanças que AJS se compromete a dar ao país?

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