O tempo político em Portugal acelerou muito para
além do que António José Seguro (AJS) e o seu grupo mais próximo imaginaram que
pudesse acontecer. É essa aceleração, mais do que o regresso de Sócrates às
lides do comentário político em “prime
time”, que explica a pressão política que se abateu sobre o Partido
Socialista e o forçou à decisão de apresentar uma moção de censura ao governo,
aparentemente sem data. Essa desvalorização do ritmo de progressão do tempo político
ou se preferirem um simples erro de estimação (não é apenas o Governo que se
engana) de tal ritmo acaba por colocar o Partido Socialista numa situação praticamente
refém do pronunciamento do Tribunal Constitucional, o qual, em função do timing em que for anunciado, corre o
risco de apagar o efeito da moção de censura. Mas isso não é matéria que
preocupe o PS. Na verdade, o que AJS pretendia era acima de tudo não deixar-se
encurralar pela referida e descontrolada (na sua perspetiva de cálculo)
aceleração do tempo político. O que era fundamental era o sinal de
descomprometimento com a ordem atual das coisas, a marcação de uma diferença de
posicionamento, a expressão de um tímido que seja “basta”. Ora isso está
conseguido e a decisão compreensível e lógica do PC e Bloco acompanharem tal
moção respondem ao cálculo de momento de AJS.
Mas a complexidade dos efeitos da decisão emergirá
a partir deste momento. Se o cálculo político de curto prazo está satisfeito, o
de médio e longo prazo está aí ainda desafiante e suspenso. Os termos de futuro
que a moção de censura terá necessariamente de fazer emergir constituirão o
verdadeiro quebra-cabeças para o posicionamento de AJS. Com o cenário de eleições
ainda nebuloso e, nessa hipótese, uma maioria absoluta muito difícil de atingir
salvo uma completa reviravolta das projeções eleitorais conhecidas e com a cada
vez menos provável capacidade da atual maioria gerar um outro governo, as
grandes interrogações de sempre do PS voltarão a projetar-se na mensagem que pode
transmitir aos portugueses: um acordo parlamentar e/ou de governo à direita ou
ao centro em torno de um projeto mínimo de consolidação de contas públicas com
estímulos via investimento ao crescimento, com algumas pitadas de reorganização
da dívida? Um acordo parlamentar e de governo à esquerda com uma mais larga
margem de reorganização da dívida e uma forte ênfase em políticas de redução do
desemprego? Acordos pontuais à esquerda e à direita?
De todas estas condições, a única novidade que
despontou no horizonte é a de uma maior vulgarização do tema da reorganização da
dívida, à qual a entrevista de Kenneth Rogoff (o economista que, com Carmen Reinhardt, mais e melhor estudou os efeitos das crises soberanas) ao Expresso
do passado sábado, brilhantemente explorada hoje por Francisco Louçã no seu
comentário com Ana Lourenço (outro felizardo), veio prestar um enorme favor. A
pata na poça das instituições comunitárias na resolução com os pés e não com a
cabeça do caso de Chipre pode abrir caminho a uma maior audiência das teses de
Rogoff, as quais consistem afinal na demonstração da inequívoca evidência histórica
de que as crises soberanas ou se resolvem com reorganizações de dívida ou
implicam longos períodos de perturbação e empobrecimento.
Imaginando que o PS se pode transformar no centro
de gravidade do próximo tempo político, não será essa centralidade que atenuará
as dores de cabeça de AJS. A preparação de uma alternativa com um mínimo tempo
de maturação colocará a interrogação de sempre ao PS que é a de saber quem vai
ser o companheiro de viagem. A única opção possível para atenuar as dores de
cabeça será construir uma visão sólida de governação, com um programa claro e
ajustado à situação difícil da economia portuguesa, despertando por essa via
apoios parlamentares e/ou de governo à esquerda ou à direita. Certamente que nessa
alternativa de governação contarão muito os programas e os rostos para a
economia e para o emprego. Mas, como já repetidas vezes insisti nessa tese, por
mais estranho que o possa parecer, será tão ou mais importante saber quem o PS
apresenta para consolidar efetivamente as contas públicas. Ou seja, quem é o Ministro
das Finanças que AJS se compromete a dar ao país?
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