Quase sempre neste blogue o Freire de Sousa e eu
temos evitado cavalgar as mesmas ideias, sobretudo porque pensámos este espaço
com mais e variada gente, admitindo que daí adviria diversidade temática de
preocupações. Estando o espaço reduzido a dois heroicos resistentes, temos
tentado a dois assegurar, seguramente de modo imperfeito, alguma diversidade e
por isso temos renunciado a enfileirar nos mesmos temas, curiosamente sem preparação
prévia de qualquer espécie.
Mas a importância das ideias expostas pelo Freire
de Sousa no seu último post leva-me a
quebrar aquela disposição e a reafirmar ideias, pois as europeias não estão
longe e penso que esse tempo deverá ser oportunidade para reforçar no Parlamento
Europeu ideias e votos que possam por na ordem algumas figuras grotescas que
nos vão atazanando a vida, perante a nossa complacência e a indiferença de
eleitores europeus distraídos ou desencantados.
Começo a pensar que a reiterada teimosia em
manter a trajetória da “self-defeating”
austeridade já não é o produto nem do seguidismo face ao bafio das ideias conservadoras
de Cameron-Osborne nem a subserviência aos traumas inflacionários dos alemães,
mais ou menos camuflados na estratégia eleitoral da senhora Merkel. Não tenho
grande propensão nem paciência para conceções de sentido cabalista profundo,
mas dou comigo frequentemente a pensar que condições terão levado personagens
menores como Barroso e Rehn a povoar o universo das instâncias comunitárias,
nomes aos quais poderíamos facilmente acrescentar um painel de outras personalidades
de recorte similar, excelentes para treinar em nossas casas tiro ao alvo ou
derruba o boneco, atividades necessárias ao nosso equilíbrio difícil de cidadãos
europeus.
Dá que pensar de facto a incapacidade absoluta da
Comissão Europeia, hoje um manto de retalhos e sem qualquer perspetiva de atuação
coerente das suas inúmeras DG’s, com uma política fragmentária, diria mesmo
destruidora de recursos dada a sua incapacidade de articular a sua política
macroeconómica com os instrumentos de política estrutural que, pelo menos no âmbito
das políticas de coesão, continuam expectantes para poderem desempenhar algum
papel que se veja na criação de uma trajetória de crescimento.
Dou-vos um exemplo a propósito da Estratégia 2020
e das suas implicações para a programação que se avizinha para o período
2014-2020. Alguém sensato e de boa fé esperaria que as estratégias de programação
tão ladinas a falar de conhecimento e da sua incorporação nos processos de
produção se baseassem em conceitos e investigação minimamente sólidos. Ora, a
dimensão da inovação e da competitividade que, o que não é coisa pouca, deve
absorver pelo menos 50% da programação FEDER nas regiões da convergência (coesão),
em vez de explorar domínios mais sólidos e consistentes de investigação,
aventurou-se na estruturação de um conceito, a especialização inteligente, que
muito pouca gente sabe o que é. Na comunidade do estudo da inovação sabe-se
minimamente que os conceitos de sistema nacional e regional de inovação têm organizado
as políticas públicas de inovação nas duas últimas décadas, constituindo um
capital de partida a não desperdiçar. Ora, ao invés, estrutura-se uma programação
em função de um conceito que não tem investigação relevante de suporte e que
constitui um golpe de asa de um conjunto restrito de consultores a funcionar
junto do inner circle de Bruxelas,
sem evidências empíricas de referência, sujeita por isso à improvisação, à não
aprendizagem com o que de mais avançado tem sido feito em termos de inovação. E
assim se vai desbaratando o reduzido poder de fogo estrutural da política
europeia.
Com toda esta fragmentação, a permanência em cena
de iluminárias tão apagadas só pode ser o resultado da captura do projeto europeu
pela perspetiva instrumental do mercado único e da globalização financeira. A
história começa lá trás com a contribuição da Comissão, por via da sua
precipitada política comercial externa, para a destruição da capacidade
industrial europeia, para a sua desindustrialização precoce a troco de uma
pretensa e totalmente gorada entrada no universo dos serviços intensivos em conhecimento.
Cheira-me que todo este conjunto vasto de interesses está para além do circunstancialismo
histórico que a senhora Merkel representará, independentemente de saber se a
sua origem austera e calvinista poderá ser para aqui chamada. Há quem diga
(talvez com ilusão excessiva) que as derivas sexualmente predadoras de
Strauss-Kahn terão interrompido a denúncia desta trajetória e do jogo sujo
que aguenta gente tão desprovida de visão para além dos compromissos ocultos a
que se renderam. Mas esses projetos ocultos podem ser simplesmente a ocupação
do vazio que o declínio europeu representa.
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