sábado, 16 de março de 2013

ASSINO POR BAIXO …



Quase sempre neste blogue o Freire de Sousa e eu temos evitado cavalgar as mesmas ideias, sobretudo porque pensámos este espaço com mais e variada gente, admitindo que daí adviria diversidade temática de preocupações. Estando o espaço reduzido a dois heroicos resistentes, temos tentado a dois assegurar, seguramente de modo imperfeito, alguma diversidade e por isso temos renunciado a enfileirar nos mesmos temas, curiosamente sem preparação prévia de qualquer espécie.
Mas a importância das ideias expostas pelo Freire de Sousa no seu último post leva-me a quebrar aquela disposição e a reafirmar ideias, pois as europeias não estão longe e penso que esse tempo deverá ser oportunidade para reforçar no Parlamento Europeu ideias e votos que possam por na ordem algumas figuras grotescas que nos vão atazanando a vida, perante a nossa complacência e a indiferença de eleitores europeus distraídos ou desencantados.
Começo a pensar que a reiterada teimosia em manter a trajetória da “self-defeating” austeridade já não é o produto nem do seguidismo face ao bafio das ideias conservadoras de Cameron-Osborne nem a subserviência aos traumas inflacionários dos alemães, mais ou menos camuflados na estratégia eleitoral da senhora Merkel. Não tenho grande propensão nem paciência para conceções de sentido cabalista profundo, mas dou comigo frequentemente a pensar que condições terão levado personagens menores como Barroso e Rehn a povoar o universo das instâncias comunitárias, nomes aos quais poderíamos facilmente acrescentar um painel de outras personalidades de recorte similar, excelentes para treinar em nossas casas tiro ao alvo ou derruba o boneco, atividades necessárias ao nosso equilíbrio difícil de cidadãos europeus.
Dá que pensar de facto a incapacidade absoluta da Comissão Europeia, hoje um manto de retalhos e sem qualquer perspetiva de atuação coerente das suas inúmeras DG’s, com uma política fragmentária, diria mesmo destruidora de recursos dada a sua incapacidade de articular a sua política macroeconómica com os instrumentos de política estrutural que, pelo menos no âmbito das políticas de coesão, continuam expectantes para poderem desempenhar algum papel que se veja na criação de uma trajetória de crescimento.
Dou-vos um exemplo a propósito da Estratégia 2020 e das suas implicações para a programação que se avizinha para o período 2014-2020. Alguém sensato e de boa fé esperaria que as estratégias de programação tão ladinas a falar de conhecimento e da sua incorporação nos processos de produção se baseassem em conceitos e investigação minimamente sólidos. Ora, a dimensão da inovação e da competitividade que, o que não é coisa pouca, deve absorver pelo menos 50% da programação FEDER nas regiões da convergência (coesão), em vez de explorar domínios mais sólidos e consistentes de investigação, aventurou-se na estruturação de um conceito, a especialização inteligente, que muito pouca gente sabe o que é. Na comunidade do estudo da inovação sabe-se minimamente que os conceitos de sistema nacional e regional de inovação têm organizado as políticas públicas de inovação nas duas últimas décadas, constituindo um capital de partida a não desperdiçar. Ora, ao invés, estrutura-se uma programação em função de um conceito que não tem investigação relevante de suporte e que constitui um golpe de asa de um conjunto restrito de consultores a funcionar junto do inner circle de Bruxelas, sem evidências empíricas de referência, sujeita por isso à improvisação, à não aprendizagem com o que de mais avançado tem sido feito em termos de inovação. E assim se vai desbaratando o reduzido poder de fogo estrutural da política europeia.
Com toda esta fragmentação, a permanência em cena de iluminárias tão apagadas só pode ser o resultado da captura do projeto europeu pela perspetiva instrumental do mercado único e da globalização financeira. A história começa lá trás com a contribuição da Comissão, por via da sua precipitada política comercial externa, para a destruição da capacidade industrial europeia, para a sua desindustrialização precoce a troco de uma pretensa e totalmente gorada entrada no universo dos serviços intensivos em conhecimento. Cheira-me que todo este conjunto vasto de interesses está para além do circunstancialismo histórico que a senhora Merkel representará, independentemente de saber se a sua origem austera e calvinista poderá ser para aqui chamada. Há quem diga (talvez com ilusão excessiva) que as derivas sexualmente predadoras de Strauss-Kahn terão interrompido a denúncia desta trajetória e do jogo sujo que aguenta gente tão desprovida de visão para além dos compromissos ocultos a que se renderam. Mas esses projetos ocultos podem ser simplesmente a ocupação do vazio que o declínio europeu representa.

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