quinta-feira, 21 de março de 2013

MEMÓRIA DESFOLHADA …



Hoje, pela manhã bem cedo, a TSF despertou-me uma memória já desfocada pelo tempo, surpreendendo-me com uma evidência histórica que se tinha evaporado.
A TSF comemorava, imaginem, a chegada de Simone de Oliveira a Santa Apolónia depois de ter interpretado a Desfolhada no Festival da Eurovisão em Madrid, em 1969, com uns míseros 4 pontos, segundo a reportagem. Simone e a Desfolhada estavam registadas na memória. O que não estava era a pelos vistos apoteótica receção (hoje falou-se de cerca de 20.000 pessoas) que a intérprete terá recebido em Santa Apolónia, uma multidão segundo a própria e o jornalista indignada pela baixa pontuação, ou então uma forma oculta e velada de mostrar ao antigo regime a rejeição da situação de marginalização a que a sociedade portuguesa estava submetida.
Interroguei-me ao longo do dia sobre as razões que terão determinado o apagamento desta manifestação “espontânea” da minha memória seletiva. Haverá exagero por parte de uma efeméride mal amanhada? Foi mesmo uma receção apoteótica? Recordo-me perfeitamente que a Desfolhada tinha, via mão do Ary dos Santos e pela expressividade da lírica, uma conotação de esquerda que se alargava à própria Simone, hoje bem distante dessas conotações. Mas evaporou-se-me a perceção de que o baixo resultado da Desfolhada teria sido recebida pela população como uma afronta “europeia”, a ponto de suscitar uma manifestação de boas vindas de grandes proporções na estação mítica por outros motivos de Santa Apolónia.
A história contemporânea portuguesa tem pano para mangas e é de facto um universo fascinante que não pode ficar à mercê de memórias evaporadas ou simplesmente desfocadas como a minha.

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