Hoje, pela manhã bem cedo, a TSF despertou-me uma
memória já desfocada pelo tempo, surpreendendo-me com uma evidência histórica
que se tinha evaporado.
A TSF comemorava, imaginem, a chegada de Simone de Oliveira a Santa Apolónia depois de ter interpretado a Desfolhada no
Festival da Eurovisão em Madrid, em 1969, com uns míseros 4 pontos, segundo a
reportagem. Simone e a Desfolhada
estavam registadas na memória. O que não estava era a pelos vistos apoteótica
receção (hoje falou-se de cerca de 20.000 pessoas) que a intérprete terá
recebido em Santa Apolónia, uma multidão segundo a própria e o jornalista
indignada pela baixa pontuação, ou então uma forma oculta e velada de mostrar
ao antigo regime a rejeição da situação de marginalização a que a sociedade
portuguesa estava submetida.
Interroguei-me ao longo do dia sobre as razões
que terão determinado o apagamento desta manifestação “espontânea” da minha memória
seletiva. Haverá exagero por parte de uma efeméride mal amanhada? Foi mesmo uma
receção apoteótica? Recordo-me perfeitamente que a Desfolhada tinha, via mão do Ary dos Santos e pela expressividade
da lírica, uma conotação de esquerda que se alargava à própria Simone, hoje bem
distante dessas conotações. Mas evaporou-se-me a perceção de que o baixo
resultado da Desfolhada teria sido
recebida pela população como uma afronta “europeia”, a ponto de suscitar uma
manifestação de boas vindas de grandes proporções na estação mítica por outros
motivos de Santa Apolónia.
A história contemporânea portuguesa tem pano para
mangas e é de facto um universo fascinante que não pode ficar à mercê de memórias
evaporadas ou simplesmente desfocadas como a minha.
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