sexta-feira, 29 de março de 2013

AONDE REGRESSOU SÓCRATES?


Os comentários ao “regresso de Sócrates” foram um bom retrato do País: cada um a procurar encontrar, mais ou menos atabalhoadamente, a sua linha muito própria de marcar a diferença e afirmar a originalidade. Um tão pequeno país e tantos génios nele!
 
Muita coisa lida e avaliada, arrisco distinguir três grandes tipologias de conteúdo: os pseudoobjetivos (“o que ele disse e o que é real”, “factos e números são verdadeiros ou falsos?” ou “desmontámos a narrativa de Sócrates na RTP”), os condicionados (“não esqueceu nada, não aprendeu nada” ou “o inocente e os culpados” ou “sozinho no passado”, para só citar alguns de muitos) e os honestos (“animal à solta”, “alguém para odiar” ou “Sócrates volta ao Truman Show”, citando os poucos possíveis). Mas ninguém foi mais claro do que Soares, que começou por ser contra mas acabou a reconhecer que o “regresso de Sócrates foi brilhante”!
 
Juízos de intenção à parte, a entrevista constituiu um irrepreensível exercício de estratégia, competência e eficácia política. Na defesa de um direito individual, no afastamento de intencionalidades irrelevantes, na eleição do inimigo principal, no tratamento dos inimigos secundários, na desconsideração dos agentes irrelevantes, na escolha cirúrgica dos argumentos, na recusa de fait-divers, na inconfundível e contrastante motivação liderante…


E, por muita graça que possamos achar ao “Bartoon” de hoje (acima reproduzido, com a devida vénia a Luis Afonso e ao “Público”), o certo é que Sócrates deixou claro ao cidadão comum – e foram mais de 1,6 milhões a ouvi-lo… – que não há uma mas duas “narrativas”. Daí que a questão que fica a valer a pena discutir verdadeiramente seja a que o artigo de Daniel Deusdado no JN enuncia, após o sublinhado de que “no momento mais quente da entrevista soubemos entretanto os escaldantes detalhes dos bastidores da novela: Sócrates, traído por Cavaco, que abre em 2011 o caminho ao fraquíssimo Passos e ao seu círculo próximo, que nos conduzem entretanto para um festival de irresponsabilidade circense e onde, na prática, descobrimos, quem manda é um homem pequenino e que fala devagarinho – Gaspar” e a consequente relacionação do atual “desespero dos cidadãos” com “uma verdade sua, tática, sem um rumo grande, de longo prazo, verdadeiro, apoiado em pessoas sólidas” por parte de cada um daqueles nossos infelizes atores políticos.
 
Ou seja, o que importará discutir desenvolve-se em torno do seguinte: “O Portugal em que milhões de portugueses vivem não se pode confundir com a novela do Sócrates Truman Show onde tudo é possível - basta querer. Portugal tem poucas empresas internacionais, pouco crédito, baixa poupança, uma grande dívida do Estado, um défice que só pode diminuir gerando desemprego de funcionários públicos, famílias e empresas endividadas porque todo o circuito financeiro mundial assenta em crédito (fácil). Que importa se o território é sistematicamente devastado por alguns projetos, sempre essencialíssimos para criar emprego e salvar esta geração, mas destruindo os recursos para décadas ou séculos? O desemprego é consequência de um processo histórico de desinvestimento nas empresas e canalização do capital para rentabilidades financeiras que, como se viu, eram irreais, ou para o imobiliário especulativo.”
 
Sendo que Deusdado ainda acrescenta, a concluir: “As últimas viagens que pude fazer pela Ásia e América fazem-me ter a certeza de uma coisa: o Mundo continua a mover-se a grande velocidade, a crescer. Ninguém quer saber de Portugal. Por isso temos de mudar este Governo pedindo a Passos que saia pelo seu pé, e deixar Sócrates, e o seu canto de sereia, a falar sozinho. O Truman Show é um filme viciante mas está a desfocar-nos do tempo para salvarmos a nossa vida e o país.” Mas não será, pergunto eu, que o problema principal de Sócrates é sobretudo de entourage e más companhias?

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