domingo, 3 de março de 2013

HESSEL E MORIN: UM ENCONTRO JAMAIS POSSÍVEL

(Stéphane Hessel, falecido a 27.02.2013)

Em tempos de indignação na rua, o Le Monde de 1de março de 2013 recupera nas suas páginas centrais com a dignidade merecida um diálogo entre Stéphane Hessel (desaparecido a 27 de fevereiro passado) e Edgar Morin, concretizado em 19 de julho de 2011, no Teatro das Ideias, evento marcante dos encontros de intelectuais do Festival de Avignon.
Das duas personalidades em diálogo, Edgar Morin é sem dúvida mais conhecido, não só pelas suas vindas a Portugal em colaboração com o Instituto Piaget, mas sobretudo pela sua persistente e continuada procura de um método científico e filosófico capaz de integrar e orientar um pensamento global à altura da complexidade do mundo contemporâneo. Stéphane Hessel é sobretudo conhecido em Portugal pela autoria do documento-panfleto “Indignez-vous” que marcou de sobremaneira os movimentos dessa natureza em França. O documento acabou por ter em Portugal uma reduzida expressão (o país não está para intelectuais), com apenas Mário Soares a conceder-lhe o destaque que o mesmo merecia.
Tenho que confessar que personalidades como Hessel e Morin me fascinam, não propriamente por me considerar um militante fervoroso da indignação (bicho um pouco solitário e individualista, embora sem razões objetivas para tal, não vou habitualmente a manifestações coletivas de rua). Fascinam-me porque os considero representantes em desaparecimento de uma geração com experiência vivida, referências e referenciais comparativos de que toda esta indignação precisa para se situar. Já aqui repetidas vezes reafirmei a ideia de Jorge Semprúm (para mim um dos grandes intelectuais europeus) segundo a qual o desaparecimento dos últimos sobreviventes do Holocausto trará consequências de memória e de explicitação de experiência vivida de que a Europa vai ter dificuldade em preservar.
Hessel e Morin estão nesse grupo e o primeiro acaba de nos deixar.
Hessel é alemão (berlinense) de origem e o seu pai, o ensaísta alemão Franz Hessel era amigo íntimo e tradutor de Walter Benjamin, o que nos situa desde logo no contexto. Foi membro da Resistência francesa e deportado para Buchenwald tal como Semprúm aliás. Assistiu e participou na criação das Nações Unidas, tendo sido embaixador militante das causas da pobreza, da Palestina e de todas as causas para uma economia mundial mais solidária.
Morin foi combatente voluntário da Resistência, oficial das forças francesas combatentes, membro do Partido Comunista, expulso em 1951, partilhando assim uma experiência vivida crucial para nos situarmos face às tragédias de hoje.
O diálogo entre os dois não é seguramente o passaporte para uma alternativa concreta ao que aflige a Europa à beira do declínio e da desintegração. São sobretudo testemunhos esperançosos, sobretudo porque viveram os sinais da barbárie, da desintegração e do desrespeito absoluto pela liberdade e dignidade humanas. São por isso adversários convictos da razão instrumental, essencialmente baseada no cálculo. Hessel não hesita em considerar que no programa elaborado pelo Conselho Nacional da Resistência em França há ideias que mereciam reativação. Morin, por seu lado, continua empenhado numa outra política económica, que passaria pela economia verde, pela revitalização de aldeias e cidades, pela humanização das aglomerações, pela recuperação da agricultura de proximidade, numa procura de sínteses possíveis entre as esquerdas socialista, comunista e libertária.
Recupera para isso a seguinte estrofe da Marselhesa:

“A França que a Europa admira reconquistou a liberdade
E cada cidadão respira sob as leis da igualdade
Sob as leis da igualdade
Um dia a sua imagem querida estender-se-á por todo o Universo
Povos
Quebrareis as vossas amarras e tereis uma pátria
Às armas cidadãos!"

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