(Stéphane Hessel, falecido a 27.02.2013)
Em tempos de indignação na rua, o Le Monde de 1de março de 2013 recupera nas suas páginas centrais com a dignidade merecida um
diálogo entre Stéphane Hessel (desaparecido a 27 de fevereiro passado) e Edgar
Morin, concretizado em 19 de julho de 2011, no Teatro das Ideias, evento
marcante dos encontros de intelectuais do Festival de Avignon.
Das duas personalidades em diálogo, Edgar Morin é
sem dúvida mais conhecido, não só pelas suas vindas a Portugal em colaboração
com o Instituto Piaget, mas sobretudo pela sua persistente e continuada procura
de um método científico e filosófico capaz de integrar e orientar um pensamento
global à altura da complexidade do mundo contemporâneo. Stéphane Hessel é
sobretudo conhecido em Portugal pela autoria do documento-panfleto “Indignez-vous” que marcou de
sobremaneira os movimentos dessa natureza em França. O documento acabou por ter
em Portugal uma reduzida expressão (o país não está para intelectuais), com
apenas Mário Soares a conceder-lhe o destaque que o mesmo merecia.
Tenho que confessar que personalidades como
Hessel e Morin me fascinam, não propriamente por me considerar um militante
fervoroso da indignação (bicho um pouco solitário e individualista, embora sem
razões objetivas para tal, não vou habitualmente a manifestações coletivas de
rua). Fascinam-me porque os considero representantes em desaparecimento de uma
geração com experiência vivida, referências e referenciais comparativos de que
toda esta indignação precisa para se situar. Já aqui repetidas vezes reafirmei
a ideia de Jorge Semprúm (para mim um dos grandes intelectuais europeus)
segundo a qual o desaparecimento dos últimos sobreviventes do Holocausto trará consequências
de memória e de explicitação de experiência vivida de que a Europa vai ter
dificuldade em preservar.
Hessel e Morin estão nesse grupo e o primeiro
acaba de nos deixar.
Hessel é alemão (berlinense) de origem e o seu
pai, o ensaísta alemão Franz Hessel era amigo íntimo e tradutor de Walter
Benjamin, o que nos situa desde logo no contexto. Foi membro da Resistência francesa
e deportado para Buchenwald tal como
Semprúm aliás. Assistiu e participou na criação das Nações Unidas, tendo sido
embaixador militante das causas da pobreza, da Palestina e de todas as causas
para uma economia mundial mais solidária.
Morin foi combatente voluntário da Resistência,
oficial das forças francesas combatentes, membro do Partido Comunista, expulso
em 1951, partilhando assim uma experiência vivida crucial para nos situarmos
face às tragédias de hoje.
O diálogo entre os dois não é seguramente o
passaporte para uma alternativa concreta ao que aflige a Europa à beira do declínio
e da desintegração. São sobretudo testemunhos esperançosos, sobretudo porque
viveram os sinais da barbárie, da desintegração e do desrespeito absoluto pela
liberdade e dignidade humanas. São por isso adversários convictos da razão
instrumental, essencialmente baseada no cálculo. Hessel não hesita em
considerar que no programa elaborado pelo Conselho Nacional da Resistência em
França há ideias que mereciam reativação. Morin, por seu lado, continua
empenhado numa outra política económica, que passaria pela economia verde, pela
revitalização de aldeias e cidades, pela humanização das aglomerações, pela
recuperação da agricultura de proximidade, numa procura de sínteses possíveis
entre as esquerdas socialista, comunista e libertária.
Recupera para isso a seguinte estrofe da
Marselhesa:
“A França que a Europa admira reconquistou a liberdade
E cada cidadão respira sob as leis da igualdade
Sob as leis da igualdade
Um dia a sua imagem querida estender-se-á por todo o
Universo
Povos
Quebrareis as vossas amarras e tereis uma pátria
Às armas cidadãos!"
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