sábado, 23 de março de 2013

O HOMEM QUE CONTAVA HISTÓRIAS DE PALAVRAS



Num registo muito singelo, associo-me ao amigo Freire de Sousa para homenagear a personalidade e a obra de Óscar Lopes.
A minha forma de o fazer é apelar à minha memória seletiva, neste caso nada desfocada ou nebulosa, invocando os tempos do liceu, no velho e agora renovado D. Manuel II /Rodrigues de Freitas, uma casa que marcou por via de alguns dos seus professores a minha própria personalidade e maneira de pensar.
Curiosamente, Óscar Lopes nunca foi meu professor. Em matéria de língua portuguesa, estive também muito bem assistido pelo Professor Manuel Salgado. Porquê então apelar à memória pra falar de Óscar Lopes?
Nesses tempos idos, as aulas de substituição pela ausência de alguns dos professores nem eram bem queridas (havia sempre a hipótese de uma fuga para a generosidade dos espaços desportivos do liceu, nas quais joguei praticamente tudo ou, para os mais atrevidos, uma escapadela aos bilhares do Diu), nem abundantes (as faltas dos professores eram de facto episódicas). Mas existiam e tínhamos de as suportar. Ora, a minha memória mantem-se fresca em relação a algumas dessas aulas. Um professor da envergadura de Óscar Lopes também dava aulas de substituição. E que aulas? Chegava, baixinho e pequeno, modesto, tímido e simplesmente contava histórias de palavras. Pegava numa palavra, às vezes escolhida por nós, declinava-a e durante 35 a 40 minutos ficávamos presos ao desenvolvimento da história que nos levava sempre para bem longe. Só mais tarde percebi a dimensão intelectual e política de quem nos contava aquelas histórias de fascínio puro pelo universo da palavra. Tomei contacto com o que representava para a língua portuguesa. Mas, curiosamente, Óscar Lopes ficou para sempre o memorável contador de histórias de palavras. Quando na viragem do então 5º ano me confrontei com a angústia de toda a juventude de então (Ciências ou Letras), penso que aquelas aulas de substituição me fizeram balancear ainda mais. O compromisso reformista que me levou à alínea g), uma espécie de síntese entre as ciências e as letras talvez tenha sido, entre outras coisas, estimulada pela história das palavras. E, quando mais tarde, andei por arremedos de alguma literatura (alguns contos para o Diário de Lisboa juvenil, pequenos ensaios para o Programa Em Órbita e quedei-me por aí …) talvez o fascínio da palavra também tenha estado presente.
Morreu um grande contador de histórias … de palavras.

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