quinta-feira, 7 de março de 2013

CHÁVEZ


O politicamente correto tem predominado no coro de reações ao desaparecimento de Hugo Chávez em luta desigual contra um cancro bem mais poderoso que o ego e determinação do Comandante, herdeiro autoproclamado do legado independentista de Simón Bolívar.
A sua proximidade a Portugal, o interesse venezuelano por alguns negócios e produtos portugueses e sobretudo a dimensão da comunidade portuguesa na Venezuela sempre determinaram especiais cuidados da diplomacia portuguesa em tratar o fenómeno Chávez. O mesmo se passou com as reações à sua morte, compreensivelmente.
Mas a personalidade e o fenómeno Chávez exigem mais do que o politicamente correto. Não entendo o fenómeno Chávez, como muitos o fazem, como uma derradeira tentativa de revigoramento de um certo marxismo revolucionário.
A melhor forma de o compreender é focar a nossa atenção no contraste violento que o dia de hoje nos trouxe com o povo mais desfavorecido da Venezuela a chorar o Comandante e a colónia venezuelana da Flórida nos Estados Unidos a festejar ruidosamente a sua morte. Neste contraste está a meu ver a raiz de um entendimento não politicamente correto.
Há uns anos tive oportunidade de privar com elementos de ascendência portuguesa da classe alta, instruída e internacionalizada venezuelana. Fiquei na altura impressionado com o rancor, diria mesmo ódio, com que algumas observações sobre a personalidade e o poder de Chávez foram realizadas. E creio que essas observações eram genuínas. É que a ascensão de Chávez atingiu efetivamente os percentis superiores da sociedade venezuelana, ao mesmo tempo que utilizava a capacidade de arrecadação fiscal do petróleo como fator de redistribuição de rendimento e garantia de um mínimo de dignidade a uma vasta franja de população, desde estratos de população indígena até aos grupos mais desfavorecidos e desprotegidos já implantados nas grandes cidades.
Afinal, nem politicamente correto à esquerda, nem à direita, posso dizer que Chávez protagonizava um modelo populista, de pendor simultaneamente autoritário e visionário, que sempre enfrentaria o problema do potencial esgotamento do caráter distributivo associado à captura para esse efeito das rendas petrolífera. Não era propriamente um modelo de democracia virtuosa e na imprensa internacional discutia-se se o seu ego do tamanho da América Latina não terá comprometido irreversivelmente a sua luta atempada contra a doença.
Mas o fenómeno Chaves tem de ser compreendido à luz das condições socioeconómicas de países como a Venezuela, em que as sucessivas transformações do modelo económico tenderam a agravar o fosso intransponível entre as elites internacionalizadas e possidentes e uma vasta população empobrecida, marginalizada, seja nos campos, seja nas cidades. A revolução bolivariana de que Chávez tanto se orgulhava não era apenas um slogan visionário, com uma dimensão fortemente antiamericana. A população mais desfavorecida e marginalizada sentiu-a e as elites também, embora em termos opostos e daí a polarização das reações à sua morte. A ascensão de Chávez tem assim as suas raízes no carácter não inclusivo e reduzidamente redistributivo que o modelo económico venezuelano potenciou. Deixará marcas na América Latina. Saber se a revolução “bolivariana” persistirá sem a personalidade de Chávez a liderá-la é outra questão para acompanhar nos próximos tempos.

Sem comentários:

Enviar um comentário