(Agora que tudo
indica que fiquemos limitados ao bronze de Telma e que nem a entrada do Pontal
parece ter animado a cena política, é altura de repegar alguns temas que aguardavam, pacientemente, análise
e comentário)
A bipolaridade portuguesa é conhecida, oscilamos
vertiginosamente entre a euforia dos resultados aparentemente impossíveis e a precipitação
no abismo depressivo da desgraça. O desporto como manifestação reativa de
massas preenche muito este modelo. Projetámos assim uma participação olímpica
que apontava para um número de medalhas desproporcional face ao nosso nível de
desenvolvimento e de aposta coletiva desportiva e temos dificuldade de conviver
com a frustração. Regra geral, esta dificuldade de conviver com a frustração
dos resultados traz também uma outra propensão nacional, a da invocação da culpa
exógena, ou seja a invocação de causas para além de um mau momento ou
simplesmente da incapacidade. Assim foi com um atleta de eleição como é o canoísta
Fernando Pimenta, que arrancou célere para a medalha de ouro mas que devido a
uma nova causa externa do infortúnio nacional, as algas e as folhas da lagoa, se
quedou pelo quinto lugar. O sexto lugar de Nélson Évora não teve causas externas
e quando é assim o equilíbrio está alcançado, nem precisamos de euforia descontrolada
nem de frustração na derrota. Por isso, tive a intuição que a medalha de Telma
iria ser simbólica.
A outro nível, a modorra política está instalada
e nem um impreparado Passos Coelho de tosco improviso animou as hostes. Sabemos
apenas que BPN e BANIF já vão para lá dos cinco mil milhões de euros de sucção
de fundos públicos e ainda há para aí uns maduros preocupados com a “espanholização”
da banca. Quais carpideiras militantes, o que lhes vai na alma é seguramente a
perceção de que com a espanholização da banca mais difícil será capturar os interesses
financeiros dessa banca. Como cidadão médio que sempre olhou a banca apenas como
fonte predominante de aplicação de poupanças em produtos o mais rotineiros possível,
o que me preocupa é a “portuguesização” da banca.
Com esta modorra política, é preciso explorar
o conjunto dos temas pendentes para encontrar algo de atrativo no comentário.
A descentralização é seguramente um desses
temas.
Já qui referi que nas condições estruturais
de crescimento anémico em que nos encontramos não me parece haver condições políticas
favoráveis para interessar ativamente a população portuguesa numa abordagem da
descentralização que se transformasse na verdadeira raiz da reforma do estado. Talvez
com boa vontade apontemos a exceção do Algarve, mas a nível regional continuam a
campear processos de profunda atomização no Norte, Centro e Alentejo e a região
de Lisboa continua com o problema sério resolver de adequação da organização
para efeito de Fundos Estruturais com as questões político-administrativas e de
relacionamento com a máquina do Estado. Não estou sinceramente a imaginar o que
seria um programa eleitoral para uma regionalização nas condições atuais,
sobretudo do ponto de vista de qual seria o contributo desse processo para a
resolução do problema central “crescimento anémico – alto nível de dívida pública”.
Por isso, foi com curiosidade que tomei nota do
modo como o programa do PS abordou esta questão. Dois aspetos suscitaram a minha
atenção. Primeiro, a municipalização da eleição dos Presidentes das CCDR. Segundo,
a eventual eleição direta dos Presidentes das Áreas Metropolitanas. Duas
propostas claras, independentemente do seu valor intrínseco, e falar claro é sempre
uma vantagem em temas em que muitos se encolhem escondidos nos interesses que
por sobrevivência têm de defender.
Já aqui referi que a municipalização da eleição
dos Presidentes das CCDR é má ideia. As CCDR não precisam de respaldo municipal,
para isso já existem as CIM (Comunidades Intermunicipais) que podem ser
valorizadas se autarcas e Governo o pretenderem efetivamente e a Associação
Nacional de Municípios. Esse respaldo não vai assegurar uma legitimidade democrática
efetiva. As CCDR precisam é de reforço do seu poder (hoje praticamente inexistente)
de coordenação setorial e isso não se consegue com respaldo municipal. Não
entendo o que leva António Costa e Eduardo Cabrita a perseguirem esta solução, sobretudo
porque não vejo o Governo a definir uma quadro claro de territorialização de políticas
públicas envolvendo as CIM.
A eleição direta dos Presidentes das Áreas
Metropolitanas sempre a olhei com outro interesse, embora, sobretudo a Norte, a
composição da Área Metropolitana do Porto (AMP) seja manifestamente excessiva e
dificulte a definição de temas efetivamente metropolitanos para suscitar um
debate eleitoral atrativo e uma forte participação população na discussão
desses temas. Não tenho aqui dúvida de que seria possível e de grande alcance a
definição de agendas políticas metropolitanas tocando efetivamente as condições
de vida dos cidadãos metropolitanos que continuam a não ter espaço de intervenção
política em temas que não são municipais nem regionais. Mas claramente metropolitanos.
Já o escrevi e afirmei-o em público com clareza que tal processo representaria um
efetivo avanço na descentralização.
Pois também como já tinha intuído, vozes importantes
se levantaram contra esta possibilidade, pelo que vamos sabendo o presidente
Marcelo insurgiu-se contra a possibilidade das Áreas Metropolitanas terem legitimidade
democrática e as CCDR não o terem e Rui Moreira (e talvez outros presidentes) também
se sentiu beliscado por ter que dialogar e negociar com alguém com uma base de
legitimidade democrática claramente superior à sua. Verdade seja dita que Rui
Moreira teve a coragem de pedir a eleição por sufrágio direto dos Presidentes
das CCDR e isso já é uma posição de coerência que se saúda. Tudo indica que o
governo irá meter a violinha no saco quanto a esta matéria e depois não digam
que não há razões para estar pessimista quanto a estas matérias.
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