(Uma equação
talvez estranha para compreender o que estará em jogo nas eleições americanas,
com todas as ameaças à mistura. A inspiração capteia-a num artigo estimulante, como sempre, de Jill
Lepore para a New Yorker, com uma reportagem confronto das convenções
Republicana (Cleveland) e Democrata (Filadélfia))
Vamos ver se consigo dar
conta em poucas palavras da complexidade da equação que escolhi para titular o post de hoje, já com o Monte Santa Tecla
à vista e com a luz imperdível do Minho num dia como o de hoje a antecipar os
dias calorentos que se avizinham.
A discussão do modo como
o discurso e a ação políticos têm procurado representar a VOZ do Povo (People) daria
para textos de maior fôlego do que o que está ao alcance deste post. O que me interessa por hoje
destacar é que a violenta deriva a que o partido republicano tem estado sujeito
alimenta-se de discursos que invocam as aspirações e sentimentos mais profundos
do povo americano, qualquer que seja essa realidade. A perspetiva securitária
desse mesmo “Povo” é explorada até à medula, cavalgando o receio do outro, do
que é diferente, recuperando raízes de um nativismo que é difícil ser concebido
sem o cadinho de culturas que fizeram nascer a América. Curiosamente, Bernie
Sanders e os seus aguerridos apoiantes, alguns dos quais não serão capazes de
dar o seu apoio a Hillary, invocaram também a representação desse povo, tocando
na ferida da desigualdade e projetando nela não uma deriva securitária e
nativista, mas antes uma filosofia de ação que não julgávamos possível ter
recetividade na sociedade americana, alicerçada no combate aos poderosos e à
financeirização, da qual Hillary tarda em demarcar-se com clareza.
Os democratas americanos,
pelo menos a sua costela mais liberal (no sentido americano do termo),
ignoraram olimpicamente esse apelo da representação do Povo, oferecendo em
alternativa sucessivas e alternativas visões e projeções do progresso, regra
geral difíceis de ser percebidas como decorrentes de uma clara representação
dos seus interesses mais profundos. A não ocupação de um determinado espaço
constitui sempre uma oportunidade para que outros o ocupem. Parece ter sido
isso o que aconteceu e que precipitou a deriva republicana, na sua versão mais
extrema do trumpismo.
Coloca-se por isso a
questão de saber se alguém será capaz de articular num todo coerente “people
+ progress”, construindo uma segunda dimensão que possa ser considerada
na linha da representação dos interesses do primeiro, Haverá seguramente várias
maneiras possíveis de o fazer. A colocação do futuro das crianças nessa equação
é uma delas. Hillary parece tê-lo intuído, mas veremos se corresponde a algo de
sólido.
Por muito particulares
que sejam a sociedade americana e o seu circo eleitoral, coisas muito importantes
estarão em jogo nessa batalha, com clara influência na crise de pensamento da
social-democracia e do socialismo democrático europeus. E aqui estaremos para
explorar esse roteiro.
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