(Agora que os
Jogos se aproximam do seu ocaso e que a participação portuguesa corre o risco
de ser uma das piores de sempre, austeridade oblige, uma visão impressiva do evento projeta-me
apenas em quatro nomes, o que é pouco)
Emanuel Silva e João
Ribeiro na canoagem e João Pereira no triatlo estiveram prestes a atenuar o
infortúnio nacional, que teve de tudo, algas, folhas, fraturas de stress e outras maleitas, mas que será
antes fruto da situação global do país e da escassez de recursos públicos que
nos tem acompanhado nos últimos tempos e que continuará por muito tempo a impor
determinação e rigor em algo que, decididamente, somos canhestros, as escolhas
públicas.
Num evento como os
Jogos, em que a dimensão do coletivo está presente, sem dúvida, continua a ser
a dimensão do atleta individual que nos fica na memória, nesse misto de
perseverança, determinação, confiança, luta contra a adversidade, penosidade e tempo,
superação, capacidade de sacrifício e de abdicação dos prazeres da vida.
E nessa dimensão
individual são apenas quatro nomes à escala global que passarei associar aos
jogos do Rio, que na minha memória ficarão como os Jogos da piscina verde,
imagem simbólica de um Brasil no fio da navalha. Os quatro nomes são Simone
Biles a ginasta americana de outro planeta, Usain Bolt e o seu sorriso voador,
Michael Phelps e a sua espantosa consistência de vários tempos e Wayde Van
Niekerk, o sul-africano que está próximo de numa corrida de 400 metros
conservar o ritmo de quatro corridas de 100 metros. Dos quatro nomes, Wayde Van
Niekerk é talvez aquele sobre o qual é mais difícil falar, pois aqueles 400
metros podem ser seja a espantosa convergência de um conjunto imenso de
condições favoráveis, uma oferta dos astros, ou anunciar um atleta também do
outro mundo. Quanto aos restantes três atletas, a interrogação que me ocorre é
a de saber se estamos perante dádivas da natureza que emergem aleatoriamente de
vez em quando ou se, pelo contrário, estamos perante condições inatas ímpares
combinadas com mão humana de metodologias de treino e preparação ao alcance de
poucos, em termos de conceção e de capacidade de resistência dos atletas para a
sua aplicação.
Biles, Bolt e Phelps
representam três situações muito diferenciadas. Gostaria de compreender melhor
em que medida a experiência e arte da treinadora da seleção feminina de
ginástica dos EUA, Martha Karolyi, responsável pela saudosa Nadia Comaneci, tem
influência de peso na qualidade ímpar das atletas americanas e sobretudo no potenciar
da flexibilidade de Biles. A experiência do rancho no qual decorre a preparação
deve esconder segredos metodológicos notáveis, à qual se junta uma vida e
origem na adversidade da atleta (mãe viciada em droga) que a projeta para um
outro estádio da ginástica. Phelps é a imagem da tenacidade e da capacidade de
focagem num objetivo intertemporal, com superação de uma fase de vida em que o
alcoolismo e a depressão ditaram regras. A sua passagem
de testemunho para o nadador de Singapura é indiscutivelmente uma imagem destes
Jogos. Bolt é talvez o que respira mais condições inatas, aquele seu sorriso de
fim de prova é toda uma legenda. José Manuel Fernandes, num excelente texto no
Observador sobre os Jogos, remete-nos para um artigo no Guardian onde se
discute a propensão genética dos jamaicanos para a velocidade (ver link aqui).
O que nos reservará
Tóquio nesta matéria? A continuidade de Biles no topo? Talvez ainda Bolt? Ou
emergirão novos outliers?
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