(A obra em causa
estará em trânsito no correio, mas um artigo de Stiglitz no Financial Times e a
recensão crítica de Martin Sandbu também no FT permitem antecipar um debate central para as
nossas vidas)
Joseph Stiglitz acaba de
publicar na Allen Lane/W.W. Norton & Company a sua última obra “The Euro: How a Common Currency
Threatens the Future of Europe” ainda em trânsito e
com alguns dias de espera para chegar à minha secretária. Stiglitz tem uma
capacidade prodigiosa de comunicação escrita, combinando o rigor formal
apreciado entre pares com um poder de penetração dos media económicos e não só
que é hoje pouco comum no universo dos macroeconomistas. Enquanto o livro não
chega, o artigo que hoje publica no Financial
Times on line (ver link aqui) e a recensão crítica de Martin Sandbu, também
publicada no FT mas a 5 de agosto (ver link aqui), são já
matéria suficiente para definir a arquitetura de um debate que será decisivo
para as nossas vidas de cidadãos europeus, ensanduichados por uma integração
que entrou em relativa agonia. Diga-se que o debate não é novo, ele tem sido
intuído por muitos, mas o contributo de Stiglitz consiste em atribuir-lhe mais
clareza, embora Sandbu assinale que isso não significa ausência de contradições
nas posições do economista americano.
O que é que então
Stiglitz traz de mais claro para o debate do euro?
O que resulta do
contributo de Stiglitz é estarmos perante o seguinte dilema: (i) ou se assume
que o euro é uma construção política precoce e viciada nos seus princípios de
constituição e por isso a saída consistirá na preparação de um abandono airoso
que permita preservar os princípios básicos da integração europeia (ii) ou se
admite que as regras adicionais necessárias para que a união monetária funcione
são viáveis podendo assim ser preservada. Pela leitura do artigo de Stiglitz no
FT compreende-se a interrogação crítica de Sandbu. De facto, Stiglitz é duro
nos argumentos que apontam para o euro como construção precoce e viciada, mas
paradoxalmente é brilhante e contributivo na denúncia de como se poderia ter
feito muita coisa de melhor com a união monetária a funcionar.
É à explicitação deste
dilema que associo uma maior clareza na arquitetura do debate. Para problemas
desta natureza, não é possível uma transformação positiva sem uma rigorosa
avaliação do problema. E essa avaliação passará inevitavelmente pela análise de
viabilidade das tais regras que poderão assegurar que o euro seja uma
construção preparada para suportar as pressões já amplamente identificadas pela
grande maioria dos economistas que têm escrito sobre a matéria. O caminho
crítico deverá ser então o seguinte. Se tais regras forem viáveis e houver
condições políticas (leia-se sobretudo o pronunciamento alemão sobre a matéria)
para as materializar, a união poderá ser preservada. Caso contrário, há que
preparar uma trajetória de saída.
Hoje, há acordo sobre a
evidência de que a união monetária não atingiu os seus propósitos, ou seja
proporcionar crescimento económico à Europa e assegurar a repartição solidária
dos seus benefícios. Há também acordo sobre os riscos que o Euro trouxe de
retirar aos países dois instrumentos essenciais de ajustamento macroeconómico,
taxas de juro e taxas de câmbio, imperfeitamente substituídos por um mandato de
BCE exclusivamente centrado na estabilidade dos preços, embora com piruetas
arriscadas Draghi tenha tentado minimizar as limitações desse mandato
estatutário. Há ainda acordo quanto à evidência de que a desvalorização real da
taxa de câmbio, a chamada desvalorização interna (concretizada à custa de
desemprego e de cortes salariais), tem limites enquanto instrumento de
ajustamento, até porque não são imagináveis saltos enormes de produtividade nos
países sob ajustamento (Portugal incluído).
Assim sendo, uma de duas
e daí o dilema central do papel que cabe à união monetária no projeto europeu
(se podemos ainda falar assim): ou a construção inicial pode ser consertada ou
uma trajetória de saída deve ser preparada, pois não há poder político em
democracia que consiga aguentar uma trajetória longa de empobrecimento.
O curioso é que Stiglitz
fornece argumentos para ambas as opções do dilema e Sandbu é perspicaz ao
identificar esse paradoxo.
No sentido da
preservação melhorada da união monetária, Stiglitz identifica que as regras
necessárias são claras e não ciclópicas: (i) união bancária com seguro de
depósitos comum; (ii) regras para limitar excedentes comerciais permanentes;
(iii) mecanismos de mutualização da dívida; (iv) política monetária de largo
espectro e não apenas centrada na estabilidade nominal dos preços; (v)
políticas públicas europeias (sobretudo industrial) para reduzir desníveis de
desenvolvimento e de produtividade entre o norte e o sul. Quanto à clareza
estamos de acordo. Quanto à enormidade das mesmas, tudo é relativo e a posição
alemã é de uma parede espessa e praticamente intransponível. A este lado do
dilema, deveremos, como o faz Sandbu com pertinência, acrescentar a necessidade
de evitar erros de política macroeconómica como os que conduziram a Europa a
uma autoinfligida recessão económica em 2011-2012 enquanto o resto do mundo
prosseguia uma trajetória de recuperação. Uma consolidação fiscal mais amiga do
crescimento económico teria minimizado seriamente esta autoinfligida
(mortificação punitiva pura e dura) recessão.
Os contributos de
Stiglitz para a segunda opção do dilema são os que exigirão leitura mais atenta
do livro. O economista americano fala de um euro dividido em dois, um euro mais
forte a Norte e um euro mais soft a
sul, que designa de “flexible-euro system”
e avança até com a proposta de denominação das dívidas em euros em “Southern
Euro debts”. Ora esta dimensão pia mais fino e será precipitado antecipar a
leitura da obra.
De qualquer modo, é
errado admitir que todos os economistas estão à margem do futuro das nossas
vidas. Stiglitz não está de facto à margem, haja vontade para construir uma
agenda em torno de posições desta envergadura.
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