terça-feira, 23 de agosto de 2016

O DEUTSCHE BANK À LUPA DA INVESTIGAÇÃO DA NEW YORKER

(Imagem da New Yorker que acompanha o artigo de Ed Caesar)


(Uma homenagem singela ao jornalismo de investigação da NewYorker, em que os dissabores do Deutsche Bank contrariam toda a arrogância do rigor alemão)

Tive algum orgulho quando, através da pitoresca e implacável crónica que Alexandra Lucas Coelho dedicou à cobertura distorcida que a imprensa americana realizou da trapalhada em que o nadador americano Ray Lochte se viu envolvido, percebi que ela era também leitora fanática da edição digital diária da New Yorker. A essa sensação chama-se coempatia dos consumidores anónimos em torno de um dado produto. Sempre representou para mim um enigma sem resposta a reduzida difusão do material valioso da New Yorker que outrora apenas semanalmente e agora diariamente em versão digital é colocada nos smartphones dos assinantes. A esquerda portuguesa mais empedernida sempre achou a New Yorker um símbolo do snobismo mais sofisticado. Posso bem com esse tipo de representações simplificadas e a assinatura da revista tem-me proporcionado gloriosos momentos de fruição individual, que é difícil partilhar, pois estou a precisar de integrar o clube dos leitores anónimos da revista.

Sou leitor regular de uma secção da revista designada de A Reporter at Large, um verdadeiro hino ao jornalismo de investigação que é cada vez mais uma espécie jornalística em extinção.

Pois, antecipando a edição de 29 de agosto, Ed Caesar assina uma crónica maravilhosa sobre as desgraças do Deutsche Bank, rodeado de multas e penalidades por todos os lados, dada a sua cumplicidade com processos fraudulentos. A raiz da investigação tem o seu epicentro na Rússia e envolve a sede do banco alemão em Moscovo, mais propriamente o seu serviço de títulos. A tramoia desenvolve-se em torno de uma prática que nos meandros técnicos das fraudes financeiras de âmbito global se chama “mirror trade”. Na sua fórmula básica, o esquema constrói-se a partir da intervenção de um broker soviético que em nome de uma sociedade russa dá ordem ao DB de uma compra de ações em rublos de uma empresa russa representativa qualquer. Simultaneamente, o mesmo broker dá ordem de venda em nome de uma outra empresa qualquer, regra geral sediada num offshore algures, dos mesmos títulos no mercado de Londres em troca de libras, dólares ou euros. Aparentemente, pode haver pequenos ganhos (ou perdas) decorrentes de diferenças de cotação em Moscovo e Londres, o banco aufere comissões de operação na compra e na venda e tudo parece decorrer no melhor dos mundos. Simplesmente, a recorrência desta prática durante um período de tempo determinado representa afinal uma pouca engenhosa fuga de capitais da Rússia para destino incerto. Claro está que quanto mais as autoridades russas estiverem apostadas em colocar a prática no rol da ilegalidade mais aumentam as comissões exigidas pelo banco.

A exaustiva investigação de Caesar analisa o modo como foi possível esta fuga, avaliada em cerca de 10 mil milhões de dólares, ir escapando ilesa aos olhos da supervisão interna do DB e da sua estrutura globalizada que há muito deixou de estar confinada aos muros de Frankfurt. A lista de figurões, compadrios, cumplicidades, alertas internos não respondidos, multas e penalidades infligidas ao banco alemão, investigações em curso e outras irregularidades é preciosa. E no fim chegamos à conclusão que o Deutsche Bank representa um sério risco sistémico para a estabilidade do sistema financeiro mundial. Quem diria! A arrogância do rigor alemão já não é o que era e isso pode explicar muita coisa.

A Caesar o que é de Caesar. Bom jornalismo de investigação.

Sem comentários:

Enviar um comentário