(Imagem da New Yorker que acompanha o artigo de Ed Caesar)
(Uma homenagem
singela ao jornalismo de investigação da NewYorker, em que os dissabores do Deutsche Bank contrariam
toda a arrogância do rigor alemão)
Tive algum orgulho
quando, através da pitoresca e implacável crónica que Alexandra Lucas Coelho dedicou
à cobertura distorcida que a imprensa americana realizou da trapalhada em que o
nadador americano Ray Lochte se viu envolvido, percebi que ela era também leitora
fanática da edição digital diária da New Yorker.
A essa sensação chama-se coempatia dos consumidores anónimos em torno de um
dado produto. Sempre representou para mim um enigma sem resposta a reduzida difusão
do material valioso da New Yorker que
outrora apenas semanalmente e agora diariamente em versão digital é colocada
nos smartphones dos assinantes. A
esquerda portuguesa mais empedernida sempre achou a New Yorker um símbolo do snobismo mais sofisticado. Posso bem com
esse tipo de representações simplificadas e a assinatura da revista tem-me proporcionado
gloriosos momentos de fruição individual, que é difícil partilhar, pois estou a
precisar de integrar o clube dos leitores anónimos da revista.
Sou leitor regular de
uma secção da revista designada de A Reporter at Large,
um verdadeiro hino ao jornalismo de investigação que é cada vez mais uma espécie
jornalística em extinção.
Pois, antecipando a edição
de 29 de agosto, Ed Caesar assina uma crónica maravilhosa sobre as desgraças do
Deutsche Bank, rodeado de multas e penalidades por todos os lados, dada a sua
cumplicidade com processos fraudulentos. A raiz da investigação tem o seu epicentro
na Rússia e envolve a sede do banco alemão em Moscovo, mais propriamente o seu
serviço de títulos. A tramoia desenvolve-se em torno de uma prática que nos
meandros técnicos das fraudes financeiras de âmbito global se chama “mirror trade”. Na sua fórmula básica, o
esquema constrói-se a partir da intervenção de um broker soviético que em nome
de uma sociedade russa dá ordem ao DB de uma compra de ações em rublos de uma
empresa russa representativa qualquer. Simultaneamente, o mesmo broker dá ordem
de venda em nome de uma outra empresa qualquer, regra geral sediada num
offshore algures, dos mesmos títulos no mercado de Londres em troca de libras,
dólares ou euros. Aparentemente, pode haver pequenos ganhos (ou perdas) decorrentes
de diferenças de cotação em Moscovo e Londres, o banco aufere comissões de
operação na compra e na venda e tudo parece decorrer no melhor dos mundos. Simplesmente,
a recorrência desta prática durante um período de tempo determinado representa afinal
uma pouca engenhosa fuga de capitais da Rússia para destino incerto. Claro está
que quanto mais as autoridades russas estiverem apostadas em colocar a prática
no rol da ilegalidade mais aumentam as comissões exigidas pelo banco.
A exaustiva investigação
de Caesar analisa o modo como foi possível esta fuga, avaliada em cerca de 10
mil milhões de dólares, ir escapando ilesa aos olhos da supervisão interna do DB
e da sua estrutura globalizada que há muito deixou de estar confinada aos muros
de Frankfurt. A lista de figurões, compadrios, cumplicidades, alertas internos
não respondidos, multas e penalidades infligidas ao banco alemão, investigações
em curso e outras irregularidades é preciosa. E no fim chegamos à conclusão que
o Deutsche Bank representa um sério risco sistémico para a estabilidade do
sistema financeiro mundial. Quem diria! A arrogância do rigor alemão já não é o
que era e isso pode explicar muita coisa.
A Caesar o que é de
Caesar. Bom jornalismo de investigação.
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