(Teremos de estar
atentos para ver se a dentada da Comissária Margrethe Vestager na multinacional
da Maçã é mesmo real, ou
se outros interesses, numa União Europeia debilitada, transformarão a dentada
em mera carícia)
A Comissária dinamarquesa da Concorrência Margrethe
Vestager não é propriamente uma personagem querida dos portugueses e dos seus
governos. O assunto “ajudas de Estado” intimida qualquer um, não só pela sua
complexidade, só ao alcance de alguns eleitos, mas também pela incomodidade que
provoca junto dos governos nacionais. Para além disso, é talvez o pelouro
europeu em que mais visível é a marca do mercado e dos constrangimentos que as
leis da concorrência colocam a países com mais baixo nível de desenvolvimento
económico. Por fim, os recentes acontecimentos na banca portuguesa, do BANIF à
capitalização da CGD, têm colocado Vestager no olho do furacão das relações
entre o governo de Costa e a Comissão Europeia. Mas se querem que vos diga,
farto de invertebrados nas instituições europeias, tenho uma certa simpatia
pela personagem, embora não conheça ao pormenor a sua atuação na Comissão.
Mas o facto anunciado por estes dias de que a DG
Concorrência pretende exigir da APPLE a devolução de ajudas do governo irlandês
à multinacional americana consideradas ilegais face ao quadro jurídico das
ajudas de Estado é uma dentada na maça só ao alcance de boas dentições, num
montante de cerca de 13 mil milhões de dólares (que balúrdio). O tema é
suficientemente relevante e portador de futuro para o monitorizarmos com muita
atenção. É conhecida de todos, e a ex-deputada europeia Elisa Ferreira mais do
ninguém o tem denunciado, a prática de grande impunidade fiscal que as grandes
multinacionais americanas gozam no plano europeu, enfraquecendo que baste o
poder de punção fiscal dos países europeus e das autoridades comunitárias
relativamente a atividade económica gerada no seu território. É também
conhecido a influência de tais práticas na sobretaxação dos rendimentos
imóveis, quando comparada com a débil punção fiscal sobre a mobilidade do
capital. Aliás, as espantosas taxas a dois dígitos que algumas variáveis
macroeconómicas da Irlanda (26% de crescimento do PIB em 2015, por exemplo) têm
apresentado nos últimos anos, quando confrontadas com as taxas de variação do
rendimento que chega aos bolsos dos irlandeses, sugerem por si só o caráter
fiscalmente mirífico de tal dinâmica multinacional na Irlanda. Segundo
informações do Financial Times (ver link aqui), a APPLE nos últimos 10 anos
terá gerado cerca de 200 mil milhões de dólares de lucros no exterior, com
grande influência das subsidiárias irlandesas. conseguindo uma taxa média de
cerca de 4% de IRC. Bem pode o governo irlandês recorrer a todas as piruetas
jurídicas possíveis que será difícil esconder tal volume de subsidiação. Não
estou a ignorar os efeitos positivos que a presença da APPLE trará à economia
irlandesa, sinceramente desconhecendo se a APPLE produzirá efeitos de
spill-over do tipo das que a Auto Europa tende a determinar em toda a rede de
fornecedores portugueses de produtos internacionais à multinacional alemã. Mas
o que está aqui em causa é que tudo isto se passa numa união monetária em que
as leis da concorrência são de facto a doer e onde esta fiscalidade indiferenciada
é depois corroborada por uma margem de manobra inquestionável que a organização
multinacional possibilita. No seio desta questão, estão questões complexas de
conceitos diferentes de residência fiscal na Irlanda e nos EUA, tanto mais
estranhas quando as subsidiárias da APPLE na Irlanda têm direitos de
propriedade intelectual APPLE. Na sua alocução de hoje, Vestager avançou
inclusivamente com a acusação de que a sede da APPLE na Irlanda é meramente
fictícia, o que leva as coisas para um patamar difícil de gerar acordos de
circunstância.
Claro que o governo irlandês já veio insurgir-se contra
esta condenação, pois pode estar em causa a sua atratividade fiscal. Altas
autoridades americanas já vieram deixar no ar a sua pequena ameaça de que tudo
pode mudar no relacionamento comercial (a Volkswagen que se prepare!),
sobretudo porque a devolução de tais importâncias acaba por reduzir a
capacidade de punção fiscal dos EUA a partir dos rendimentos da APPLE. E a
própria APPLE veio também a terreiro invocar 34 anos de presença no território
irlandês. A dentada de Vestager escolheu uma maça dura de roer e o processo não
será adequado a dentições de leite.
Assim, três anos de investigação sobre os acordos fiscais
Irlanda-APPLE seguirão para tribunal fazendo companhia aos casos Starbucks e
Fiat e a situação da AMAZON permanece em investigação. A Comissão Europeia
parece que existe e pena é que isso não seja visível noutras matérias.
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