sábado, 29 de setembro de 2018

ALVES BARBOSA



(O JN traz-me a notícia da morte do antigo ciclista Alves Barbosa no Hospital da Figueira da Foz, aos 86 anos. Nos tempos em que o ciclismo polarizava a sociedade portuguesa, lembra-me o arrebatamento que o confronto Alves Barbosa – Ribeiro da Silva provocava. A emergência de Joaquim Agostinho acabaria por acabar com essa polarização.)

A sociedade portuguesa em tempos do antigo regime, para além da luta oculta e perseguida contra o regime ditatorial, alimentava-se de algumas polarizações que estão sociologicamente por estudar de modo aprofundado. Estou a referir-me, por exemplo, a polarizações do tipo Simone de Oliveira versus Madalena Iglésias. Hoje a esta distância essas polarizações parecem-nos espúrias e incompreensíveis, mas existiam. Tenho para mim que nasceu aí a sociologia da música pimba em Portugal. O reducionismo dessa polarização foi, estou certo, profundamente injusto para Madalena e Simone capitalizou à esquerda entre outras coisas ter cantado Ary dos Santos.

Recordo-me que antes de Joaquim Agostinho emergir e acabar com toda a polarização possível, esmagando com o seu apoio popular (vi-o estranhamente ter a queda, em Quarteira, Algarve, que lhe provocou a morte), o ciclismo português estava polarizado entre os apoios a Ribeiro da Silva e a Alves Barbosa. O primeiro era claramente um homem mais rural, nativo de Lordelo e sempre com o Académico do Porto como seu único clube, com uma força espantosa, uma espécie de antecipação do prodigioso navarro Miguel Indurain, que subia montanhas como se viajasse em motorizada e tinha uma capacidade de resistência à dor e ao sacrifício espantosa. Alves Barbosa, um bairradino, era um ciclista de raiz urbana, com uma rapidez espantosa, especialmente em ponta final de corrida e em contra-relógio e sofria como um mouro em montanha. Não é normal um corredor com as características de Barbosa ganhar Voltas, mas a verdade é que ganhou a Volta a Portugal por três vezes, anos 50, era eu um menino, enquanto Ribeiro da Silva a ganhou por duas vezes, também nos anos 50. Recordo-me perfeitamente de discussões apaixonadas na família acerca das qualidades e virtudes dos dois corredores, interrogo-me hoje se essas discussões não tinham algo de metafórico.

Barbosa era o meu ídolo. Cheguei a vê-lo no final de uma ou duas etapas que se me varreram na memória e em pista.

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