(New York Times)
(Os macroeconomistas parecem ser incorrigíveis. Ainda não
há um consenso estável sobre as razões da Grande Recessão e já discutem a
chegada da nova recessão. Discutir o indeterminado não parece ser uma tarefa estimulante, mas analisar
as configurações possíveis da próxima recessão já tem algo de estimulante.)
Tal como
mostrei em post anterior, o marco dos
10 anos após o colapso do Lehman Brothers suscitou de novo a controvérsia
latente sobre as razões que terão determinado a ocorrência da Grande Recessão
de 2018 e sobretudo a peculiaridade de uma recuperação tão lenta. Sem que o
debate esteja encerrado, a possível ocorrência de uma nova recessão no
horizonte gerada a partir do comportamento da economia americana e dos seus
laços com a economia mundial começa a sobrepor-se aquele debate. O que não
deixa de ser curioso e mostra como a tendência para a controvérsia é algo de
permanentemente latente entre os macroeconomistas. Não é também por acaso que
atração pela antecipação das recessões parta dos economistas mais mediáticos.
Nouriel
Roubini, que é um desses economistas, escreve com Brunell Rosa no Project
Syndicate (link aqui) uma crónica em que indica mesmo o ano de 2020 para a ocorrência de
uma recessão e, mais do que isso, provavelmente mais severa que a de 2008.
Estamos habituados a um certo catastrofismo de Roubini, mas vale a pena ouvir
os seus argumentos. Não esqueçamos que Roubini através do seu EconoMonitor
ganha dinheiro com as suas análises e previsões, o que quer dizer que não fala
para o boneco.
Roubini
arrola um conjunto de 10 argumentos para a sua profecia. Os argumentos
apresentados são de consistência interna muito desigual. Percorramos os argumentos
sistematizados pelo economista americano:
- Os estímulos fiscais (como por exemplo a descida de impostos) em curso na economia americana são segundo Roubini insustentáveis e daí que a sua supressão terá repercussões negativas sobre o crescimento americano; em geral, o argumento colhe mas há interrogações acerca do real contributo do corte de impostos de Trump para o crescimento americano; já os seus efeitos sobre a concentração da riqueza e do rendimento são indiscutíveis face às evidências disponíveis;
- Segundo Roubini, a economia americana estará em sobreaquecimento, com pressões inflacionistas; não há um consenso estável sobre esta matéria entre os macroeconomistas; a ocorrência de tensões inflacionárias noutras economias também carece de conhecimento mais aprofundado;
- As guerras comerciais de Trump terão efeitos recessivos; de acordo e isso mostra a ilusão do populismo económico;
- A política económica de Trump tem acrescentado novas tendências recessivas, como as restrições às transferências de tecnologia, a perseguição às indústrias verdes e o desastre da política de infraestruturas; de acordo e uma vez mais o rei (populismo) económico vai nu;
- As tendências para a desaceleração económica na economia mundial vão acentuar-se seja pelos efeitos da guerra comercial a partir do EUA, seja por circunstâncias internas a blocos como a China e a União Europeia; a consistência deste argumento é menor e exige análise mais aprofundada;
- Os mercados de ações nos EUA e globais atravessam alguma euforia volátil e a alavancagem sobretudo no imobiliário residencial e comercial tem-se intensificado;
- Segundo Roubini, aos primeiros sinais de correção dos mercados, os riscos de iliquidez e de vendas generalizadas são elevados e o comércio ditado por algoritmos tenderá a provocar colapsos rápidos e instantâneos; Roubini lá sabe do que fala, honestamente não tenho conhecimento para o desmentir;
- As diatribes de Trump contra o FED tenderão a agravar o ambiente com tendências recessivas; o homem é um perigo mundial, já o sabemos há muito;
- Finalmente, um argumento que vale todo ele uma discussão mais vasta: os instrumentos de política para combater uma próxima recessão serão mais limitados; o nível da dívida limitará os estímulos fiscais e as margens de manobra da política monetária estarão limitadas pelos balanços dos bancos centrais já bastante dilatados (em linha com a reflexão de Ruchir Sharma no NYT, ver link aqui) e pelas ainda baixas taxas de juro.
Os
argumentos de Roubini são desigualmente consistentes. É curioso que no seu rol
de causas para a futura recessão não aparecem referências a distorções nos
mercados de crédito e apenas surge a indicação de que os algoritmos de suporte
a vendas automáticas de títulos nos mercados internacionais estão cada vez mais
apurados no sentido de precipitar vendas massivas e rápidas provocando crashes
quase instantâneos.
Krugman, no
seu último artigo de opinião no NYT sobre o assunto (ver link aqui), não é tão
dramático e taxativo como Roubini, mas partilha a ideia de a próxima recessão será
provavelmente o resultado da convergência de diferentes causas e não apenas
como o impacto de uma bolha imobiliária. Aponta nesse sentido para a probabilidade
de uma recessão do tipo da que ocorreu no princípio dos anos 90, também produto
da convergência de muitas pequenas coisas. Curiosamente, o nome de incontornável
de Hyman Minsky regressa às invocações dos economistas: “depois de um longo período
de crescimento estável, emprestadores e investidores tornam-se complacentes e o
setor privado vai além do que poderia realizar”.
Resumindo,
os economistas não são adivinhos nem futurólogos, embora alguns ganhem dinheiro
vendendo antecipações. O que sabemos é que o ciclo económico existe. Por isso,
quanto mais uma expansão se prolonga no tempo mais provável é acertarmos na antecipação
de uma recessão. E para complicação dos nossos cálculos sobre o futuro esta expansão
que vivemos é muito peculiar, pois o crescimento tem sido moderado. Isso
significa que é indeterminada a duração desta expansão e, consequente, a data
de ocorrência do regresso de uma recessão. Roubini arrisca 2020. Está no seu
direito. Por isso, Krugman é mais sensato: “Quando é que a nova recessão
ocorrerá? Na verdade, não tenho qualquer ideia sobre isso. Mas seria realmente estranho
que não acontecesse nos próximos (e poucos) anos”. Pois, o outro também dizia
que prognósticos só no fim do jogo.
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