sexta-feira, 21 de setembro de 2018

E A PRÓXIMA RECESSÃO?

(New York Times)


(Os macroeconomistas parecem ser incorrigíveis. Ainda não há um consenso estável sobre as razões da Grande Recessão e já discutem a chegada da nova recessão. Discutir o indeterminado não parece ser uma tarefa estimulante, mas analisar as configurações possíveis da próxima recessão já tem algo de estimulante.)

Tal como mostrei em post anterior, o marco dos 10 anos após o colapso do Lehman Brothers suscitou de novo a controvérsia latente sobre as razões que terão determinado a ocorrência da Grande Recessão de 2018 e sobretudo a peculiaridade de uma recuperação tão lenta. Sem que o debate esteja encerrado, a possível ocorrência de uma nova recessão no horizonte gerada a partir do comportamento da economia americana e dos seus laços com a economia mundial começa a sobrepor-se aquele debate. O que não deixa de ser curioso e mostra como a tendência para a controvérsia é algo de permanentemente latente entre os macroeconomistas. Não é também por acaso que atração pela antecipação das recessões parta dos economistas mais mediáticos.

Nouriel Roubini, que é um desses economistas, escreve com Brunell Rosa no Project Syndicate (link aqui) uma crónica em que indica mesmo o ano de 2020 para a ocorrência de uma recessão e, mais do que isso, provavelmente mais severa que a de 2008. Estamos habituados a um certo catastrofismo de Roubini, mas vale a pena ouvir os seus argumentos. Não esqueçamos que Roubini através do seu EconoMonitor ganha dinheiro com as suas análises e previsões, o que quer dizer que não fala para o boneco.

Roubini arrola um conjunto de 10 argumentos para a sua profecia. Os argumentos apresentados são de consistência interna muito desigual. Percorramos os argumentos sistematizados pelo economista americano:

  • Os estímulos fiscais (como por exemplo a descida de impostos) em curso na economia americana são segundo Roubini insustentáveis e daí que a sua supressão terá repercussões negativas sobre o crescimento americano; em geral, o argumento colhe mas há interrogações acerca do real contributo do corte de impostos de Trump para o crescimento americano; já os seus efeitos sobre a concentração da riqueza e do rendimento são indiscutíveis face às evidências disponíveis;

  • Segundo Roubini, a economia americana estará em sobreaquecimento, com pressões inflacionistas; não há um consenso estável sobre esta matéria entre os macroeconomistas; a ocorrência de tensões inflacionárias noutras economias também carece de conhecimento mais aprofundado;

  • As guerras comerciais de Trump terão efeitos recessivos; de acordo e isso mostra a ilusão do populismo económico;

  • A política económica de Trump tem acrescentado novas tendências recessivas, como as restrições às transferências de tecnologia, a perseguição às indústrias verdes e o desastre da política de infraestruturas; de acordo e uma vez mais o rei (populismo) económico vai nu;

  • As tendências para a desaceleração económica na economia mundial vão acentuar-se seja pelos efeitos da guerra comercial a partir do EUA, seja por circunstâncias internas a blocos como a China e a União Europeia; a consistência deste argumento é menor e exige análise mais aprofundada;

  • Os mercados de ações nos EUA e globais atravessam alguma euforia volátil e a alavancagem sobretudo no imobiliário residencial e comercial tem-se intensificado;

  • Segundo Roubini, aos primeiros sinais de correção dos mercados, os riscos de iliquidez e de vendas generalizadas são elevados e o comércio ditado por algoritmos tenderá a provocar colapsos rápidos e instantâneos; Roubini lá sabe do que fala, honestamente não tenho conhecimento para o desmentir;

  • As diatribes de Trump contra o FED tenderão a agravar o ambiente com tendências recessivas; o homem é um perigo mundial, já o sabemos há muito;

  • Finalmente, um argumento que vale todo ele uma discussão mais vasta: os instrumentos de política para combater uma próxima recessão serão mais limitados; o nível da dívida limitará os estímulos fiscais e as margens de manobra da política monetária estarão limitadas pelos balanços dos bancos centrais já bastante dilatados (em linha com a reflexão de Ruchir Sharma no NYT, ver link aqui) e pelas ainda baixas taxas de juro.

Os argumentos de Roubini são desigualmente consistentes. É curioso que no seu rol de causas para a futura recessão não aparecem referências a distorções nos mercados de crédito e apenas surge a indicação de que os algoritmos de suporte a vendas automáticas de títulos nos mercados internacionais estão cada vez mais apurados no sentido de precipitar vendas massivas e rápidas provocando crashes quase instantâneos.

Krugman, no seu último artigo de opinião no NYT sobre o assunto (ver link aqui), não é tão dramático e taxativo como Roubini, mas partilha a ideia de a próxima recessão será provavelmente o resultado da convergência de diferentes causas e não apenas como o impacto de uma bolha imobiliária. Aponta nesse sentido para a probabilidade de uma recessão do tipo da que ocorreu no princípio dos anos 90, também produto da convergência de muitas pequenas coisas. Curiosamente, o nome de incontornável de Hyman Minsky regressa às invocações dos economistas: “depois de um longo período de crescimento estável, emprestadores e investidores tornam-se complacentes e o setor privado vai além do que poderia realizar”.

Resumindo, os economistas não são adivinhos nem futurólogos, embora alguns ganhem dinheiro vendendo antecipações. O que sabemos é que o ciclo económico existe. Por isso, quanto mais uma expansão se prolonga no tempo mais provável é acertarmos na antecipação de uma recessão. E para complicação dos nossos cálculos sobre o futuro esta expansão que vivemos é muito peculiar, pois o crescimento tem sido moderado. Isso significa que é indeterminada a duração desta expansão e, consequente, a data de ocorrência do regresso de uma recessão. Roubini arrisca 2020. Está no seu direito. Por isso, Krugman é mais sensato: “Quando é que a nova recessão ocorrerá? Na verdade, não tenho qualquer ideia sobre isso. Mas seria realmente estranho que não acontecesse nos próximos (e poucos) anos”. Pois, o outro também dizia que prognósticos só no fim do jogo.

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