(Há quem diga que Serralves perdeu fulgor e que apesar da criatividade de muitos
dos seus programadores a instituição não tem estado à altura do estatuto que
lhe era reconhecido na arte contemporânea. A embrulhada em torno da exposição da obra de Mapplethorpe,
que carece de explicação, tão desconjuntada se tem apresentado aos nossos olhos, sugere-me
que Serralves poderá, oxalá não, estar a entrar no período a que chamaria de puritanismo
e caviar.)
Serralves é um caso de estudo que não está realizado. O projeto começou por
incomodar muita gente. A iniciativa da sociedade civil regional conseguiu mobilizar
recursos nacionais e o estatuto de independência da sua programação, iniciada
com um talentoso Todoli que só foi verdadeiramente apreciado quando a Tate Modern
o contratou, garantiu-lhe uma presença inimitável na cultura em Portugal, a partir
do Porto. João Fernandes e Suzanne Cotter conseguiram a meu ver prolongar essa áurea,
que valeu sempre a Serralves um olhar de soslaio vindo de Lisboa,
simultaneamente inquieta pelo protagonismo internacional da instituição e pela necessidade
de estar presente, recordando sempre que o Estado ajuda.
Entretanto, um projeto da envergadura de Serralves, com um protagonismo nacional
e internacional tão relevante, teve sempre o risco de se projetar arrogantemente
na cena cultural da Região, onde nem sempre se dá ao devido valor à persistência
e engenhosidade de imensas formas de expressão cultural por essa Região fora,
desprovidas dos meios, recursos técnicos e humanos e poder mediático que
Serralves apresenta. Esse equilíbrio regional que consiste em colocar a
instituição ao serviço da Região disseminando conhecimento e abordagens e não sugando
e matando iniciativas não é imputável a meu ver aos programadores, mas antes aos
órgãos dirigentes da instituição. Ora, tive sempre as minhas dúvidas de que as
administrações sucessivas e principais estruturas diretivas internas compreendessem
esta maneira de estar na Região. É verdade que emergiram algumas parcerias e
cooperações com outros centros culturais na Região, mas admito que necessitaria
de mais elementos de avaliação para compreender se estas cooperações prolongam
o vício atrás assinalado ou se, pelo contrário, abrem caminho a um outro paradigma
de relacionamento construtivo com o Norte como um todo.
Quero manifestar aqui que não tenho qualquer conflito de interesses contra
a atual administração de Serralves e por isso as minhas observações seguintes
decorrem tão só de algumas constatações. Imagino que o critério assumido pela
iniciativa privada presente no projeto de Serralves para a escolha de Ana Pinho
para a presidência da administração tenha sido o das competências em gestão da
sofisticada descendente de uma das costelas do empresariado nortenho, adquiridas
essencialmente no setor financeiro. Pessoalmente preferiria um outro tipo de
sofisticação, menos caviar e foie-gras
e mais de pensamento e de atitudes de contraponto com a arte e prática do Museu,
mas os responsáveis por Serralves lá sabem o que fazem. A verdade é que o novo
contexto de gestão de Serralves não se livra dos rumores (e como todos sabemos o
gossip é intrínseco do conhecimento
simbólico de que se alimentam as práticas culturais) de que algo não vai bem do
ponto de vista dos equilíbrios necessários entre a eficiência da gestão e a
liberdade dos processos criativos. Nunca imaginei que Serralves fosse experiência
única neste tipo de problemas, eles existem por todo esse mundo de instituições
culturais apostadas na dimensão internacional.
O ruído que foi criado em torno da exposição de Mapplethorpe (divinos os
artistas que mesmo depois de mortos estão na origem destes problemas) e da
demissão de João Ribas, para além da enorme trapalhada de informação e
contra-informação que tem vindo a público, gerou uma nuvem de interrogações que importa
dissipar quanto antes. Como o título deste post
sugere, acrescentar puritanismo à sofisticação caviar faria entrar Serralves numa
deriva pouco recomendável para o estatuto de criatividade e liberdade que o
projeto foi acumulando para bem da cultura nacional. Sou dos que penso que estilos
de gestão podem matar uma cultura de criatividade e liberdade. Serralves não
mereceria essa deriva. Um bom indicador de que essa deriva não existe é poder
ouvir os programadores e quem trabalha em Serralves a dizer de sua justiça e
pela sua livre VOZ. Estará a sofisticação de caviar pronta a criar esse
ambiente de pronunciamento livre aos seus programadores?
Bem sei que José Pacheco Pereira insiste que está na administração de Serralves sem remuneração. Mas o que é que tem a dizer a este respeito?
Bem sei que José Pacheco Pereira insiste que está na administração de Serralves sem remuneração. Mas o que é que tem a dizer a este respeito?
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