terça-feira, 25 de setembro de 2018

FUNDOS ESTRUTURAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS



(Por terras de Coimbra, mais propriamente nas magníficas instalações do campus da cidadania e do conhecimento da Fundação Bissaya Barreto, Bencanta, para discutir formação-ação e ouvir o Governo a apresentar resultados de aprovação e execução do PT2020 na área das empresas. Oportunidade para refletir sobre as relações entre Orçamento de Estado, Fundos Estruturais e financiamento de políticas públicas.)

Sempre que regresso ao estatuto de andarilho do planeamento por esse País fora mais se me enraíza a ideia de que Portugal tem um capital de equipamento e de infraestruturas públicas que exigiria conteúdos mais avançados. A Fundação Bissaya Barreto na área de Coimbra sul e na margem direita do Mondego tem umas magníficas instalações e equipamento. A Associação Industrial Portuguesa decidiu aí organizar o 2º Forum do Programa MOVE PME, um programa dirigido à formação-ação matéria que me é cara já há alguns anos depois de ter participado na avaliação da primeira geração de apoios nesta área, ainda sob a gestão das autoridades responsáveis pelo FSE em Portugal.

A convite da AIP tive a delicada tarefa de falar de um estudo que está a começar, aproveitando entretanto para situar a formação-ação na sua segunda fase de implementação em Portugal, agora em ambiente institucional do COMPETE 2020. Curiosamente, o programa tem salvo as metas de formação pelas quais o COMPETE é responsável perante a Comissão Europeia, já que sem surpresa para mim as empresas têm rejeitado integralmente os apoios a projetos de formação profissional articulados com projetos de investimento empresarial apoiados pelo COMPETE.

Mas não é da minha charla que vos quero falar, mas antes do discurso público do Governo apresentado nesta reunião de hoje pela voz de um dos “papas” dos incentivos às empresas em Portugal, o secretário de Estado do Desenvolvimento e da Coesão, Nélson de Souza. Se há elemento do Governo que respira incentivos às empresas é o secretário de Estado, ao que também corresponde uma personalidade com grande pendor para a centralização, temerário de qualquer partilha de poder numa matéria que ele domina como ninguém, sem dúvidas de qualquer espécie.

Pois o secretário de Estado do Desenvolvimento e Coesão tinha a mensagem bem definida. Tratava-se de demonstrar que, ao contrário do que alguns comentadores de meia tigela e em regra desinformados e sem vontade de analisar informação com coerência, o apoio às empresas tem sido marcante neste período de programação. Baseado em informação proveniente da Comissão Europeia, NS trouxe para a divulgação alguns números que não podemos de facto ignorar:

  • Portugal dedica 28% dos fundos do PT2020 ao apoio direto às empresas (cerca de 21 mil milhões de euros), quando a União Europeia se queda pelos 20%;

  • Em matéria de aprovações, ao passo que a União Europeia já assumiu o compromisso de 68% da sua programação destinada às empresas, Portugal já vai em 90% de compromisso, ocupando o 2º lugar na hierarquia europeia; é visível nestes números o esforço político de intensificar estas transferências para as empresas como o sucedâneo da reanimação do investimento privado que demorou a libertar-se;

  • Em matéria de execução, ao passo que a União já executou 16% do programado, Portugal já atingiu os 28% correspondendo a um 3º lugar na hierarquia europeia; NS estima que 37% do investimento apoiado esteja realizado e pago às empresas, num montante que ronda os 1,8 mil milhões de euros;

  • E uma boa nova de que 2/3 dos investimentos em I&DT empresarial foi realizado com colaboração com Universidades e centros de investigação, dobrando para um período homólogo as realizações do QREN 2007-2013.

A maturidade das políticas de inovação e da gestão do sistema de incentivos, personificada pelo próprio secretário de Estado, transparecia da convicção com que NS ia apresentando os dados mais recentes. E com a embalagem dos números favoráveis lá apresentou as grandes linhas da reprogramação do PT2020 prestes a ser discutida com a Comissão Europeia. É claro que os meandros da reprogramação foram bem mais problemáticos do que a intervenção de NS deixou hoje perceber. Talvez o meu colega de blogue, em tempos de memórias futuras, possa um dia dar devida conta das peripécias que abalaram o Norte político em matéria de reprogramação.

Mas não é a essa matéria que gostaria de dedicar a reflexão central do meu post de hoje. Em conversa de intervalo com o sempre atento António Pego da Associação Empresarial de Portugal, com quem gosto imenso de discutir estas coisas da formação, deu para chegarmos a uma opinião convergente sobre a absoluta dependência que algumas políticas públicas apresentam neste momento relativamente aos Fundos Estruturais. Há vários casos mas, por exemplo, o ensino profissional (público e privado) relativo aos Cursos Profissionais e aos TeSP (ensino vocacional no ensino superior) e a educação de adultos, domínios que serão beneficiados na próxima reprogramação, apresentam neste momento a mais completa dependência dos Fundos Estruturais, designadamente do FSE. O mesmo pode ser dito das políticas de apoio à inovação. Quer isto significar que o Orçamento de Estado não aloca recursos relevantes a estas matérias. Os Fundos Estruturais são assim A POLÍTICA PÚBLICA nestes domínios. Alguns dirão que estamos perante uma utilização hábil dos recursos comunitários enquanto eles pingarem. Mas se quisermos ser mais incómodos isso quer dizer que a consolidação orçamental em curso está a contar com o ovo no cu da galinha. Se os ovinhos deixarem de pingar, cheira-me que vamos ter uma grande trapalhada de consolidação orçamental e que algumas políticas públicas correrão o risco de serem apenas passado.

Por isso, seria conveniente começarmos a pensar coletivamente em cenários de transição para um menor fluxo de Fundos Estruturais.




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