quarta-feira, 5 de setembro de 2018

E STIGLITZ LEVOU TROCO!



(A já por mim criticada e incompreensível diatribe de Stiglitz sobre o conceito de estagnação secular no Project Syndicate foi objeto também de crítica pelos economistas que mais têm trabalhado sobre o tema, Gauti Eggertsson em termos de modelização e Larry Summers pai do conceito. É um debate útil pois apesar dos ritmos de crescimento hoje alcançados pela economia americana, os valores de referência das taxas de juro de longo prazo continuam a dar guarida ao “zero lower bound”.)

O meu post sobre o artigo de Stiglitz no Project Syndicate foi escrito a quente, antes de ter lido as reações críticas de Gauti Eggertsson (link aqui) e do próprio Larry Summers (link aqui) sobre o tema. São reações importantes. Quem não se sente não é filho de boa gente e a honorabilidade intelectual de Eggertsson e de Summers é para mim inatacável. Eggertsson é uma referência importante nesta matéria pois foi o primeiro economista a tentar formalizar o modelo da estagnação secular (“A model of Secular Stagnation” com Neil Mehrotra, NBER, outubro de 2014)(link aqui) e a aprofundar em termos quantitativos o modelo (“A model of secular stagnation: theory and quantitative evaluation”, com Mehrotra e Robbins, NBER, 2017) (link aqui). Além disso, é co-autor com Summers de pelo menos três desenvolvimentos do conceito (links aqui, aqui e aqui). Summers, pai do conceito adaptado a partir do legado de Alvin Hansen, tem ainda a particularidade de ter estado envolvido em questões de governação, ou seja compreende bem a questão da dimensão real dos estímulos públicos, reafirmando uma das consequências mais relevantes do conceito de estagnação secular, o da redobrada importância da política fiscal. É por este motivo que a posição de Stiglitz é incompreensível. Fervoroso defensor de estímulos fiscais mais acentuados, não se compreende a razão porque rejeita um conceito que, mais do que outros, justifica esse maior peso da política fiscal.

Entremos no debate, dando-vos conta das reações de Eggertsson e do próprio Summers.

Eggertsson destaca no seu comentário sobretudo a aparente contradição em que o argumento de Stigliz está mergulhado. Se o conceito de estagnação secular tem pernas para andar, então ele não tenderá a desculpabilizar os gestores da política macroeconómica pela lentidão da recuperação. Antes pelo contrário, dada a sua dimensão estrutural, ele diz-nos que os gestores da política macroeconómica deviam fazer muito mais e melhor. O que o contributo de Larry Summers veio oferecer foi o de mostrar que a tendência para a formação de taxas de juro de longo prazo baixas não resultava de fatores temporários. Uma convergência de causas aponta para que esse efeito possa ser duradouro. E como referi no meu próprio comentário isso põe em evidência os limites da política monetária e o regresso da política fiscal. Ou seja, uma menor importância dos bancos centrais na gestão da crise neste contexto. Não se entende por que razão Stiglitz está contra isto.

Como previa, a reação de Summers tem sobretudo duas dimensões.

A primeira é a de que o conceito de estagnação secular não visa promover o fatalismo do crescimento lento, mas antes justificar políticas de estímulo da procura, por via essencialmente da expansão fiscal. Aliás essa reflexão começou bem cedo. Num artigo seminal de 2012, com Brad DeLong, um artigo que teve pouca repercussão em Portugal o que mostra a miséria do nosso debate académico, com os universitários focados na sua vidinha das publicações e pouco ativos no debate cívico (vão acabar enredados na desvalorização social do seu papel na sociedade), os dois economistas mostravam que no conceito do zero lower bound a expansão fiscal se pagava a ela própria a prazo. Por isso, a austeridade britânica foi pecaminosa.

A segunda procura contextualizar as críticas de que o estímulo fiscal promovido pela governação Obama foi alvo, em que Summers participou inicialmente como assistente económico. Na sua argumentação sublinha a dificuldade política em fazer passar o Recovery Act que fixou os 800.000 milhões de dólares de estímulo fiscal, concretizada por uma pequena margem. Os complementos de projetos de infraestruturas e de créditos fiscais que Obama pretendia fazer passar foram entretanto rejeitados.

Claro que no texto de Stiglitz há uma sibilina referência a Larry Summers, cuja distância ao processo de desregulação que precedeu a crise de 2007-2008 não está totalmente determinada. A expressão de Stiglitz é a de que “Obama retomou os contactos com os mesmos indivíduos responsáveis pela sub-regulação da economia nos tempos imediatamente antes da crise, esperando que consertassem o que tinham ajudado a destruir”.  No meio de alguma autocrítica pela desregulação de derivados que a administração Clinton acabou por realizar, Summers acusa o toque e contrapõe alguns argumentos contrariando a ideia de que a administração Clinton possa ser responsabilizada pela ampla desregulação da economia americana.

A saída que Summers encontra para este assunto que é delicado e que mostra um relacionamento de grandes reservas entre os dois economistas parece-me positiva:

Mais importante do que discutir o passado é pensar sobre o futuro. Mesmo estando em desacordo sobre juízos políticos passados e sobre a utilização do termos estagnação secular, estou contente que um eminente teorizador como Stiglitz concorde com o que eu próprio pretendia enfatizar fazendo ressurgir a teoria: Não podemos basear a nossa intervenção em políticas de taxa de juro para assegurar o pleno emprego. Devemos pensar com ênfase nas políticas fiscais e em medidas estruturais para suportar uma procura agregada sustentada e adequada.”

De facto, para lá das querelas pessoais, o fundamental é que interessa e a sustentação da procura agregada interessa.

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