(A já por mim criticada e incompreensível diatribe de
Stiglitz sobre o conceito de estagnação secular no Project Syndicate foi objeto
também de crítica pelos economistas que mais têm trabalhado sobre o tema, Gauti
Eggertsson em termos de modelização e Larry Summers pai do conceito. É um debate útil pois apesar dos ritmos de
crescimento hoje alcançados pela economia americana, os valores de referência
das taxas de juro de longo prazo continuam a dar guarida ao “zero lower bound”.)
O meu post sobre o artigo de Stiglitz no
Project Syndicate foi escrito a quente, antes de ter lido as reações críticas
de Gauti Eggertsson (link aqui) e do próprio Larry Summers (link aqui) sobre o
tema. São reações importantes. Quem não se sente não é filho de boa gente e a
honorabilidade intelectual de Eggertsson e de Summers é para mim inatacável.
Eggertsson é uma referência importante nesta matéria pois foi o primeiro
economista a tentar formalizar o modelo da estagnação secular (“A model of Secular Stagnation” com Neil
Mehrotra, NBER, outubro de 2014)(link aqui) e a aprofundar em termos quantitativos o
modelo (“A model of secular stagnation:
theory and quantitative evaluation”, com Mehrotra e Robbins, NBER, 2017) (link aqui). Além
disso, é co-autor com Summers de pelo menos três desenvolvimentos do conceito
(links aqui, aqui e aqui). Summers, pai do conceito adaptado a partir do legado de Alvin Hansen,
tem ainda a particularidade de ter estado envolvido em questões de governação,
ou seja compreende bem a questão da dimensão real dos estímulos públicos,
reafirmando uma das consequências mais relevantes do conceito de estagnação
secular, o da redobrada importância da política fiscal. É por este motivo que a
posição de Stiglitz é incompreensível. Fervoroso defensor de estímulos fiscais
mais acentuados, não se compreende a razão porque rejeita um conceito que, mais
do que outros, justifica esse maior peso da política fiscal.
Entremos no
debate, dando-vos conta das reações de Eggertsson e do próprio Summers.
Eggertsson
destaca no seu comentário sobretudo a aparente contradição em que o argumento
de Stigliz está mergulhado. Se o conceito de estagnação secular tem pernas para
andar, então ele não tenderá a desculpabilizar os gestores da política
macroeconómica pela lentidão da recuperação. Antes pelo contrário, dada a sua
dimensão estrutural, ele diz-nos que os gestores da política macroeconómica
deviam fazer muito mais e melhor. O que o contributo de Larry Summers veio
oferecer foi o de mostrar que a tendência para a formação de taxas de juro de
longo prazo baixas não resultava de fatores temporários. Uma convergência de
causas aponta para que esse efeito possa ser duradouro. E como referi no meu
próprio comentário isso põe em evidência os limites da política monetária e o
regresso da política fiscal. Ou seja, uma menor importância dos bancos centrais
na gestão da crise neste contexto. Não se entende por que razão Stiglitz está
contra isto.
Como previa,
a reação de Summers tem sobretudo duas dimensões.
A primeira é
a de que o conceito de estagnação secular não visa promover o fatalismo do
crescimento lento, mas antes justificar políticas de estímulo da procura, por
via essencialmente da expansão fiscal. Aliás essa reflexão começou bem cedo.
Num artigo seminal de 2012, com Brad DeLong, um artigo que teve pouca
repercussão em Portugal o que mostra a miséria do nosso debate académico, com
os universitários focados na sua vidinha das publicações e pouco ativos no
debate cívico (vão acabar enredados na desvalorização social do seu papel na
sociedade), os dois economistas mostravam que no conceito do zero lower bound a expansão fiscal se
pagava a ela própria a prazo. Por isso, a austeridade britânica foi pecaminosa.
A segunda
procura contextualizar as críticas de que o estímulo fiscal promovido pela
governação Obama foi alvo, em que Summers participou inicialmente como
assistente económico. Na sua argumentação sublinha a dificuldade
política em fazer passar o Recovery Act que fixou os 800.000 milhões de dólares
de estímulo fiscal, concretizada por uma pequena margem. Os complementos de
projetos de infraestruturas e de créditos fiscais que Obama pretendia fazer passar
foram entretanto rejeitados.
Claro que no
texto de Stiglitz há uma sibilina referência a Larry Summers, cuja distância ao
processo de desregulação que precedeu a crise de 2007-2008 não está totalmente
determinada. A expressão de Stiglitz é a de que “Obama retomou os contactos com
os mesmos indivíduos responsáveis pela sub-regulação da economia nos tempos
imediatamente antes da crise, esperando que consertassem o que tinham ajudado a
destruir”. No meio de alguma autocrítica
pela desregulação de derivados que a administração Clinton acabou por realizar,
Summers acusa o toque e contrapõe alguns argumentos contrariando a ideia de que
a administração Clinton possa ser responsabilizada pela ampla desregulação da
economia americana.
A saída que
Summers encontra para este assunto que é delicado e que mostra um relacionamento
de grandes reservas entre os dois economistas parece-me positiva:
“Mais importante do que discutir o passado é pensar sobre
o futuro. Mesmo estando em desacordo sobre juízos políticos passados e sobre a
utilização do termos estagnação secular, estou contente que um eminente teorizador
como Stiglitz concorde com o que eu próprio pretendia enfatizar fazendo
ressurgir a teoria: Não podemos basear a nossa intervenção em políticas de taxa
de juro para assegurar o pleno emprego. Devemos pensar com ênfase nas políticas
fiscais e em medidas estruturais para suportar uma procura agregada sustentada
e adequada.”
De facto, para
lá das querelas pessoais, o fundamental é que interessa e a sustentação da
procura agregada interessa.
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