(El Roto, El País)
(Só a poderosa vinheta de El Roto me faz escrever sobre um tema que me
horroriza e relativamente ao qual não tinha conseguido até ao momento
libertar-me do pudor de o analisar com alguma reflexão. A bem do escrutínio público, do qual nenhuma organização
deve estar dispensada, a força da imagem superou o constrangimento.)
A inicialmente
titubeante e depois firme tomada de posição do Papa Francisco revelou a coragem
que faltava a uma certa Igreja para denunciar abusos e falta de escrutínio público
de uma outra Igreja. São tempos e factos de uma memória distante, multicultural
porque a Igreja Católica tem de facto uma dimensão mundial, que se projetam
hoje no horizonte de revelações, de denúncias, de pedidos de desculpas e de confissão
pública de pecadores. Apesar de alguns dos processos que se tornaram públicos assumirem
dimensões inesperadas pela dimensão que apresentam em termos de número de agressores
e vítimas envolvidos, compreendo que pode ser incómodo e injusto para quem se
pautou sempre pelos valores da integridade e do respeito pelas crianças e jovens
em geral. Mas a separação não é entre quem prevaricou sistematicamente e quem não
o fez nunca. A distinção também se faz entre quem não tinha factos para
denunciar situações e os que as ocultaram por jogo de poder, medo ou ameaças de
qualquer tipo. Avaliando objetivamente situações reveladas e tornadas públicas
e a dimensão que revestem, é práticamente impossível o assunto não
ser do conhecimento de muita gente. Em questões desta natureza, quem oculta tem
responsabilidades tão pesadas como quem prevarica na maior das impunidades e desrespeito
pela integridade da educação de jovens e crianças.
Não conheço
como é óbvio os contextos em que o sacerdócio é assumido e praticado em países
como os EUA, a Alemanha, a Irlanda e outros países. Tenho por isso em relação a
esses casos a maior das dificuldades em compreender a forma como tais
perversidades são ocultadas pela instituição e pelas sociedades civis em que estão
envolvidas. Mas já no que respeita ao caso português, e por muito que custe a
gente militante e católica que está obviamente fora destes problemas e sem
responsabilidade nos mesmos, a questão teve maturação num contexto de pobreza, de
obscurantismo, de subdesenvolvimento generalizado do qual a Igreja fez parte e
não se demarcou com suficiente expressividade.
Tenho o máximo
respeito e admiração pela personalidade do Padre Anselmo Borges e ninguém com
mais autoridade de pensamento para não hesitar em relacionar esta perversidade desrespeitadora
da integridade pessoal de crianças e jovens com o tão discutido celibato dos
padres. Entendendo o acosso a crianças e jovens como um desvio de comportamento,
a associação do celibato a essas práticas é ainda mais ofensiva para a Igreja.
Sugere que o celibato é potenciador de uma má sanidade mental para os seus
representantes e isso é francamente comprometedor para a mensagem da Igreja
junto dos fiéis.
Tendo a
analisar estas questões pelo prisma do poder e dos seus contextos. O melhor
indicador de que estou certo nessa orientação foi a tentativa de uma certa
Igreja de envolver o Padre Francisco na matéria, acusando-o de cumplicidade. Nada
de mais transparente e cristalino, bastante mais transparente e cristalino do
que a tentativa da instituição de apagar dos registos e do escrutínio os
desvios comportamentais dos seus principais agentes.
Comparado
com esta ocultação das perversidades agora tornadas públicas, aquelas histórias
populares de alguns curas com muitos sobrinhos e governantas dedicadas que atravessaram
o imaginário anticlerical português são uma verdadeira brincadeira.
Os lobos já
tinham descido aos povoados, simplesmente não o sabíamos.
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