domingo, 9 de setembro de 2018

RECARREGAR BATERIAS


(Mergulhado em angústias pela mudança para uma nova forma de cuidados da minha mãe, dias de ausência do blogue ditada por esses motivos do foro pessoal e por uns dias diferentes em Vale Flor, Mêda. Como se trata praticamente de uma vinda anual, um ritual de amigos, oportunidade para rever o estado da arte neste tipo de territórios.)

Escrevo manhã cedo numa atmosfera purificada pela trovoada e chuvadas de sábado. O ar é tão leve que parece que levito. Interioridade, sim sem dúvida. Mas o hotspot da NOS aguenta-se bem, estou conectado. Os ruídos da aldeia parecem reduzir-se ao chilrear dos pássaros, aqui e ali completado com latidos de cães provavelmente famintos. Bem sei que é domingo, mas ontem sábado, o panorama não era diferente. O património construído está cá, mas é um mistério por onde andam os poucos habitantes que ousam permanecer. Comparando com anos anteriores deste ritual de setembro, a dinâmica de perda é sustentada como em muitos outros territórios deste tipo.

Pelas imediações uma tendência emergente que também corresponde a um aprofundamento da minha observação. A área de nova vinha plantada é cada vez mais visível. A região parece capitalizar a onda dos brancos e a qualidade de implantação das vinhas é cada vez mais. Não tenho informação suficiente para o afirmar com convicção, mas estimo que o azeite, a amêndoa e outros produtos praticamente de subsistência serão a breve trecho complementos da vinha, pelo menos enquanto esta onda refrescante dos brancos continuar. Por milagre ou qualquer circunstância aleatória, vai permanecendo alguma mão-de-obra local que aguenta as pequenas explorações, com os proprietários a residir fora da aldeia, seja no Porto, seja em sítios mais próximos como Celorico, Trancoso, Mêda, Vila Nova de Foz Côa e outros.

Breves quilómetros em várias direções seja para a Mêda, para Trancoso ou até Penedono e a realidade altera-se. Centros urbanos cada vez mais cuidados, resilientes, com negócios emergentes convivendo bem com os tradicionais, com a grande interrogação se serão ou não capazes de suster o declínio da própria sede de concelho. Setembro é um mês de observação enviesada, eu sei. Ainda se sente o prolongamento da energia exógena de agosto. Por isso, estas análises de visitante acidental devem ser encaradas com todas as cautelas e precauções.

Mas o meu ponto de observação mais frequente, a Mêda, parece-me resiliente. Aquela avenida muito arquitetura de antigo regime continua a vertebrar com êxito a vila e todas as suas âncoras continuam vivas. O tempo tem uma outra natureza e a nossa relação com ele altera-se também. É curioso que eu próprio, um urbano-litoral empedernido, poderia talvez adaptar-me a este estilo de vila.

O modelo territorial de articulação de uma vila (centro urbano) resiliente com aldeias despovoadas mas em que a atividade agrícola é conservada sabe-se lá através de que meios parece-me uma via possível para este tipo de territórios. Os municípios compreenderam que os seus esforços se têm de distribuir por apostas consequentes na resiliência da vila e desdobramento ambulatório de praticamente todos os seus serviços para assegurar mínimos de vida e de atividade para evitar a morte da terra. Claro que persistirão as contradições entre quem fica e quem regressa acidentalmente ou em fins de semana esparsos. Mas não é matéria de gestão difícil desde que haja bom senso.

Essa articulação entre a vila resiliente e a energia mínima em aldeias despovoadas é uma forma de equilíbrio que poderá vigorar num período longo enquanto permanecer o cenário demográfico. Constitui uma adaptação às circunstâncias. Não é o melhor das situações, mas oxalá todos territórios interiores possam a ele aspirar.

Até ao ano.

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