(Mergulhado em angústias pela mudança para uma nova forma de cuidados da minha mãe, dias de ausência do blogue ditada por esses motivos do foro pessoal e por uns dias diferentes em Vale Flor, Mêda. Como se trata praticamente de uma vinda anual, um ritual de amigos, oportunidade para rever o estado da arte neste tipo de territórios.)
Escrevo manhã cedo numa atmosfera purificada pela trovoada e chuvadas de sábado. O ar é tão leve que parece que levito. Interioridade, sim sem dúvida. Mas o hotspot da NOS aguenta-se bem, estou conectado. Os ruídos da aldeia parecem reduzir-se ao chilrear dos pássaros, aqui e ali completado com latidos de cães provavelmente famintos. Bem sei que é domingo, mas ontem sábado, o panorama não era diferente. O património construído está cá, mas é um mistério por onde andam os poucos habitantes que ousam permanecer. Comparando com anos anteriores deste ritual de setembro, a dinâmica de perda é sustentada como em muitos outros territórios deste tipo.
Pelas imediações uma tendência emergente que também corresponde a um aprofundamento da minha observação. A área de nova vinha plantada é cada vez mais visível. A região parece capitalizar a onda dos brancos e a qualidade de implantação das vinhas é cada vez mais. Não tenho informação suficiente para o afirmar com convicção, mas estimo que o azeite, a amêndoa e outros produtos praticamente de subsistência serão a breve trecho complementos da vinha, pelo menos enquanto esta onda refrescante dos brancos continuar. Por milagre ou qualquer circunstância aleatória, vai permanecendo alguma mão-de-obra local que aguenta as pequenas explorações, com os proprietários a residir fora da aldeia, seja no Porto, seja em sítios mais próximos como Celorico, Trancoso, Mêda, Vila Nova de Foz Côa e outros.
Breves quilómetros em várias direções seja para a Mêda, para Trancoso ou até Penedono e a realidade altera-se. Centros urbanos cada vez mais cuidados, resilientes, com negócios emergentes convivendo bem com os tradicionais, com a grande interrogação se serão ou não capazes de suster o declínio da própria sede de concelho. Setembro é um mês de observação enviesada, eu sei. Ainda se sente o prolongamento da energia exógena de agosto. Por isso, estas análises de visitante acidental devem ser encaradas com todas as cautelas e precauções.
Mas o meu ponto de observação mais frequente, a Mêda, parece-me resiliente. Aquela avenida muito arquitetura de antigo regime continua a vertebrar com êxito a vila e todas as suas âncoras continuam vivas. O tempo tem uma outra natureza e a nossa relação com ele altera-se também. É curioso que eu próprio, um urbano-litoral empedernido, poderia talvez adaptar-me a este estilo de vila.
O modelo territorial de articulação de uma vila (centro urbano) resiliente com aldeias despovoadas mas em que a atividade agrícola é conservada sabe-se lá através de que meios parece-me uma via possível para este tipo de territórios. Os municípios compreenderam que os seus esforços se têm de distribuir por apostas consequentes na resiliência da vila e desdobramento ambulatório de praticamente todos os seus serviços para assegurar mínimos de vida e de atividade para evitar a morte da terra. Claro que persistirão as contradições entre quem fica e quem regressa acidentalmente ou em fins de semana esparsos. Mas não é matéria de gestão difícil desde que haja bom senso.
Essa articulação entre a vila resiliente e a energia mínima em aldeias despovoadas é uma forma de equilíbrio que poderá vigorar num período longo enquanto permanecer o cenário demográfico. Constitui uma adaptação às circunstâncias. Não é o melhor das situações, mas oxalá todos territórios interiores possam a ele aspirar.
Até ao ano.
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