(Regressemos ao pensamento do grupo de Viena, particularmente
a Hayek, discutido no meu penúltimo post. Vimos que o economista austríaco considerava
as teses de esquerda do grande governo como ameaças históricas totalitárias à liberdade.
Um dos grandes problemas dos
seguidores contemporâneos de Hayek consiste em ignorarem que não é no planeamento
público ou estatal que podemos encontrar as grandes ameaças totalitárias. Essas
são determinadas pelos desvios do próprio mercado e pela concentração de poder
económico num número reduzido de empresas.)
Um dos argumentos
mais conhecidos de Hayek consiste na denúncia da pretensa superioridade do
planeamento económico central sobre as virtualidades do mercado. Essa denúncia
baseia-se na convicção hayekiana de que a complexidade das economias industrializadas
torna impossível que a mente humana consiga acompanhar mais do que um conjunto
limitado de temas. Por esse motivo e abdicando de responder aos incentivos e
sinais do sistema de preços, o planeamento centralizado é necessariamente
coercivo e limitador da liberdade individual. Ninguém de bom senso pode ignorar
este argumento. O mercado tem de facto propriedades e capacidades de alocação
de recursos que, em liberdade, não é de todo possível assegurar através de “grandes”
(em peso e em extensão) governos e de máquinas sofisticadas de planeamento.
Mas os hayekianos
tendem a ignorar que o mercado tem falhas e que a não regulada alocação de recursos
determinada pelo mercado. A sua fixação na crítica de qualquer forma de governo
impede-os de seguir criticamente os desvarios da não regulação dos mercados.
Por ironia da
história e ao contrário do que os Hayekianos tendem hoje a defender, as forças
concentracionárias atentatórias da liberdade e veiculando práticas totalitárias
encontram-se hoje em dimensões que são consequência da ação dos próprios
mercados. Os jornais deste fim de semana falavam no poder quase infinito que
está concentrado numa empresa como a Google do ponto de vista do armazenamento
e manipulação de informação que nos diz respeito individualmente. A concentração
dos media atingiu níveis preocupantes. E se percorrermos outros setores como os
da saúde ou da indústria farmacêutica esses níveis de concentração são praticamente
os mesmos. Essa concentração foi gerada pelo funcionamento do mercado e pela flexibilização
(aliviamento diria eu) das regras de regulação e de toda a legislação
anti-trust que parece ter ficado fora de moda. Como é óbvio, esse aliviamento
das regras de regulação foi possível precisamente pela onda da crítica da
intervenção pública, por potenciar governos pesados.
Por isso,
caros camaradas hayekianos, mais explícitos ou envergonhados, mais ou menos
tolinhos pelas ideias do economista austríaco, conforme os posicionamentos,
conviria refletirem nesta matéria. As mais poderosas forças concentracionárias
nas economias capitalistas de hoje não estão nas máquinas de planeamento mais
ou menos sofisticadas, mas antes nas concentrações empresariais que o próprio
mercado não regulado tem vindo a criar. As ameaças à liberdade estão nesses
poderosos conglomerados empresariais que por via da informação que armazenam e
por via da sua manipulação podem minar a democracia.
Pensem
nisso.
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