domingo, 2 de setembro de 2018

FORÇAS CONCENTRACIONÁRIAS



(Regressemos ao pensamento do grupo de Viena, particularmente a Hayek, discutido no meu penúltimo post. Vimos que o economista austríaco considerava as teses de esquerda do grande governo como ameaças históricas totalitárias à liberdade. Um dos grandes problemas dos seguidores contemporâneos de Hayek consiste em ignorarem que não é no planeamento público ou estatal que podemos encontrar as grandes ameaças totalitárias. Essas são determinadas pelos desvios do próprio mercado e pela concentração de poder económico num número reduzido de empresas.)

Um dos argumentos mais conhecidos de Hayek consiste na denúncia da pretensa superioridade do planeamento económico central sobre as virtualidades do mercado. Essa denúncia baseia-se na convicção hayekiana de que a complexidade das economias industrializadas torna impossível que a mente humana consiga acompanhar mais do que um conjunto limitado de temas. Por esse motivo e abdicando de responder aos incentivos e sinais do sistema de preços, o planeamento centralizado é necessariamente coercivo e limitador da liberdade individual. Ninguém de bom senso pode ignorar este argumento. O mercado tem de facto propriedades e capacidades de alocação de recursos que, em liberdade, não é de todo possível assegurar através de “grandes” (em peso e em extensão) governos e de máquinas sofisticadas de planeamento.

Mas os hayekianos tendem a ignorar que o mercado tem falhas e que a não regulada alocação de recursos determinada pelo mercado. A sua fixação na crítica de qualquer forma de governo impede-os de seguir criticamente os desvarios da não regulação dos mercados.

Por ironia da história e ao contrário do que os Hayekianos tendem hoje a defender, as forças concentracionárias atentatórias da liberdade e veiculando práticas totalitárias encontram-se hoje em dimensões que são consequência da ação dos próprios mercados. Os jornais deste fim de semana falavam no poder quase infinito que está concentrado numa empresa como a Google do ponto de vista do armazenamento e manipulação de informação que nos diz respeito individualmente. A concentração dos media atingiu níveis preocupantes. E se percorrermos outros setores como os da saúde ou da indústria farmacêutica esses níveis de concentração são praticamente os mesmos. Essa concentração foi gerada pelo funcionamento do mercado e pela flexibilização (aliviamento diria eu) das regras de regulação e de toda a legislação anti-trust que parece ter ficado fora de moda. Como é óbvio, esse aliviamento das regras de regulação foi possível precisamente pela onda da crítica da intervenção pública, por potenciar governos pesados.

Por isso, caros camaradas hayekianos, mais explícitos ou envergonhados, mais ou menos tolinhos pelas ideias do economista austríaco, conforme os posicionamentos, conviria refletirem nesta matéria. As mais poderosas forças concentracionárias nas economias capitalistas de hoje não estão nas máquinas de planeamento mais ou menos sofisticadas, mas antes nas concentrações empresariais que o próprio mercado não regulado tem vindo a criar. As ameaças à liberdade estão nesses poderosos conglomerados empresariais que por via da informação que armazenam e por via da sua manipulação podem minar a democracia.

Pensem nisso.

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