(O meu colega de blogue já se referiu e bem à tragédia da
perda de património cultural que a destruição do Museu Nacional do Brasil no
Rio de Janeiro representa, sobretudo do ponto de vista do que ela representa de
incúria pela preservação da memória histórica. Queria apenas acrescentar um outro ponto de vista
que tem vindo a ser gerado na minha acumulação de reflexões por este e por
outros motivos e que pode traduzir-se neste desabafo: mas que raio anda a fazer
a CPLP? Justifica-se a sua existência com esta inépcia para gerar algo de
válido e que se veja?)
Ponto de
partida assumido para esta reflexão: no incêndio que provocou a quase total
destruição do Museu Nacional do Brasil há seguramente incúria na alocação de
meios de conservação e segurança e daí os protestos que foram observados após a
deflagração. Incúria obviamente imputável ao governo brasileiro.
A pergunta
óbvia é a seguinte: o que tem isto a ver com a minha deceção com a CPLP e o seu
projeto?
Aparentemente
não tem. Poderíamos zurzir a bom zurzir no governo brasileiro mais interessado
em agradar às suas clientelas (enchendo-lhes os bolsos) e suspender os ganhos de
distribuição e na luta contra a pobreza que a esquerda
brasileira (impura, já sabemos) tinha conseguido do que propriamente em fazer
da preservação do património e da memória histórica a sua bandeira.
Mas quando
se fala em perda trágica de património e de memória isso envolve
necessariamente os portugueses e alguns elementos comuns aos povos
representados na CPLP. Como é óbvio, não estou a querer afirmar que uma CPLP
mais consistente teria evitado o incêndio do Museu Nacional do Brasil. Nós por
cá também partilhamos a incúria de que falámos e, mais dia menos dia, teremos
também por cá dissabores. Basta pensar por exemplo no abandono a que o
património cultural religioso está votado.
Mas na
sequência de outros testemunhos que vou recebendo, já que não conheço
fisicamente nenhum país CPLP para além de Portugal, vem-se-me formando uma
reflexão sobre o alcance efetivo de uma organização ou associação como a CPLP.
Sei que não vou ser politicamente correto e que posso ofender a sensibilidade
dos mais puristas da lusofonia.
Há dias,
amigos meus que visitaram recentemente S. Tomé e Príncipe em turismo vieram
chocados com a pobreza estrutural do país e com o estado endémico futuro de tal
pobreza. Perguntei-me na altura o que é que a CPLP tem que ver com esta
realidade trágica do subdesenvolvimento em tempos em que o número de países que
têm escapado a essa trajetória começa a ser relevante. Mas poderíamos também falar
da desagregação como país da Guiné Bissau, enredada nos mecanismos da droga e
do tráfico. Ou da insegurança vivida em certas partes do território moçambicano.
A
indefinição estratégica da CPLP é confrangedora. Em meu entender, o respeito
pela situação política de cada país e a necessidade de não haver introsão na
soberania de cada um não explica tudo. É um facto também que a memória da
relação colonizador-colonizado não é fácil de gerir e basta pensar na
controvérsia em torno do tema descobrimentos ou descobertas para compreender
que estamos a pisar terreno movediço senão minado. Por mais capacidade e
adaptação que Portugal tenha revelado em receber os descolonizados há sempre
memórias sensíveis e só na vigência de novas gerações podem ser ultrapassadas,
a não ser que a arrogância volte a dominar as relações entre os países. É claro
também que o desenvolvimento desigual no seu seio, com o Brasil e Angola a
quererem trilhar lógicas próprias de internacionalização representa uma
perturbação adicional.
A oscilação
de objetos é demasiado evidente para não ser sentida como expressão de ausência
de rumo. Será a CPLP um espaço de livre circulação de pessoas e trabalhadores
falando o português apesar do acordo ortográfico? Estão os países cientes neste
modelo dos riscos de fluxos consideráveis de população com origem nos países
mais pobres? Não poderia a CPLP ser alternativamente uma frente lusófona de
combate às formas de subdesenvolvimento mais endémico, mobilizando e
canalizando financiamento e ajuda pública internacional para esse efeito? E a
defesa da língua tem pernas para andar? E a defesa do património
histórico-cultural, com o compromisso de cada país salvaguardar “joias da
coroa” em termos de património lusófono comum, não enjeitando as interrogações
e as dúvidas da história, não poderia ser um objeto credível para o qual
valesse a pena reunir recursos escassos? Não poderiam os sistemas científicos e
de saúde ser os motores de uma nova CPLP ou será que a nossa comunidade
científica se sentirá desvalorizada?
Fica-se com
a sensação de que bem pode o Presidente Marcelo esgotar-se na diplomacia dos
afetos CPLP e mergulhar onde bem lhe apeteça em termos de mares da lusofonia
que nada apagará a imagem de instituição agonizante e sem objetivos claros e
percebidos como socialmente úteis pela comunidade que fala o português nas suas
diferentes sintaxes e musicalidades. Será que teimamos em afirmar liderança
onde ela não existe, consentida por conveniência mas não respeitada na prática?
Será que continuamos a revelar a nossa incapacidade de compreender a real
pequenez da dimensão que temos, reconduzidos ao retângulo e ilhas e vendidos
que estão, para gerar fundos para o resgate, alguns dos anéis mais preciosos?
A destruição
provocada pelo fogo, qualquer que ela seja, mais ou menos relevante, tem o
condão de exacerbar o meu pessimismo. Mas neste caso, mesmo esgaravatando com
afinco e esforço, não vejo à distância algo de efetivo que justifique a
esperança na CPLP.
Desculpem o
desabafo.
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