quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

AUSTERIDADE NUNCA MAIS?


(cartoon de https://app.hedgeye.com)

Há semanas, tive o gosto de conhecer pessoalmente Wolfgang Münchau, um dos mais reputados comentadores de assuntos europeus a partir das páginas do “Financial Times” e do “Eurointelligence” que dirige e apresenta como the best independent intelligence on the eurozone. Confirmei tudo quanto dele me parecia – exceto talvez o seu aspeto físico, hoje bastante mais corpulento do que naquela fotografia tipo passe com que se apresenta no site do jornal –, mas disso falarei em outra ocasião.

Hoje, quero destacar a essência da sua última coluna, talvez provocatória para alguns mas, a meu ver, completamente no ponto. O que ele ali afirma e sustenta é que foi a austeridade, e não os populistas, que destruiu na Europa o campo político do centro. Deixo, em tradução livre, dois excertos bem elucidativos (criticamente devastador o primeiro, algo apavorado o segundo):

· “O que estas histórias díspares têm em comum é que elas pintam uma imagem do declínio do centro político na Europa. Considero que foi esse, e não o aumento do populismo, o principal desenvolvimento ocorrido nos maiores Estados membros da UE. Se houve uma política comum que acelerou essa tendência, ela foi a austeridade. Fomos levados a julgar principalmente a austeridade em termos de seu impacto econômico. Mas são as consequências políticas dos cortes nos gastos públicos que mais provavelmente persistirão. A austeridade, enquanto política, é a consequência de uma má compreensão da economia aliada a uma mente hipócrita e a uma tendência para passar demasiado tempo com os amigos em lugares como Davos.”

· “Seria complacente, mas totalmente em linha com as ilusões centristas, culpar os populistas, ou os russos, pelo seu declínio. Porque o colapso do centro não é uma conspiração. É autoinfligido. Em alguns países, os populistas preencheram o vácuo. Mas não em todo o lado. Nem os Verdes nem Macron são populistas. O liberalismo europeu tem uma longa história de autodestruição. Estamos a passar por outro ciclo desse tipo. Em vista da extraordinária década passada, apenas um tolo quereria prever o que vem a seguir. O que resta é uma sensação de pavor.”

(cartoon de Stephane Peray, “Stephff”, http://www.cartoonmovement.com)

Entramos assim numa nova década com a secreta esperança de que a receita austeritária, aquela receita austeritária desabrida e cega, possa estar suficientemente arredada do mainstream das políticas que nos conduzirão pelos vintes fora. Ainda que com a certeza de que o dogmatismo sempre encontrará formas perversas de procurar voltar à tona.

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