domingo, 1 de dezembro de 2019

E AGORA SPD?



(Dizem-me os jornais que as eleições internas do SPD alemão consagraram alguma radicalização do partido, proporcionando a vitória a uma dupla mais à esquerda entre as opções perfiladas na votação final. Embora compreenda tal radicalização depois de tanto declínio, interrogo-me sobre o que significa do ponto de vista dos compromissos para o avanço de uma Europa mais comprometida com os desafios da perturbada globalização, da emergência climática e das desigualdades.)

Sabemos que o SPD enveredou por um modelo interno de escolha de lideranças demasiado politicamente correto para o meu gosto. Os políticos candidatos agrupam-se em duplas, um homem e uma mulher (já agora porque não dois homens ou duas mulheres?) que disputam a liderança procurando por essa via equilibrar no partido tendências e sensibilidades. Sabemos ainda que o SPD cavalga nos últimos tempos uma onda de declínio, que as teses mais imediatistas associam ao seu sacrifício de coligação com o partido da senhora Merkel para assegurar a governabilidade do país e barrar o caminho à extrema-direita alemã com representação parlamentar, que tem mostrado as garras mas ainda não consumou ameaças. Tenho para mim que este sacrifício do SPD, ainda haveremos de o compreender melhor (oxalá me engane, pois isso será positivo), não é o fator responsável em primeira linha pela perda de confiança que o partido vai sofrendo entre o eleitorado mais carenciado de representação.

O declínio do SPD é antes o produto da crise profunda da social-democracia, cavada a partir do momento em que Schroeder começou a inventar em torno do fascínio do mercado e que se perdeu de vista a falta de representação política dos lesados pela globalização e pela intensa agudização do problema das desigualdades.

A dupla que acaba por vencer as eleições internas com forte apoio da ala esquerda do partido é composta por Saskia Esken, uma deputada especialista na transformação digital e por Walter-Borjans, ex-ministro das Finanças do estado da Renânia Norte Westefalia, com o sal da vitória a resultar de ter sido conquistada sobre a dupla em que o nome do vice-Chanceler Olaf Scholz do atual governo alemão vinha acompanhado de uma deputada da Alemanha de Leste Klara Geywitz. O que vai agora acontecer com esta aparente radicalização do SPD é uma incógnita, embora os vencedores se tenham apressado de que os resultados não terão impacto imediato na chamada Grande Coligação com o partido de Merkel. A verdade nua e crua dos factos é que o SPD atual valerá cerca de 15% dos votos do eleitorado alemão, o que é francamente ilustrativo do declínio a que me referia, com uma claríssima ultrapassagem realizada pelos Verdes que continuam a ser uma esperança adiada no espectro de largo fôlego na política alemã, como o demonstram períodos passados em que os Verdes atingiram tal notoriedade.

Espero sinceramente que o declínio do SPD não se transforme numa espécie de Corbynismo à alemã. Dizia-me há dias o meu filho Hugo que, lendo o programa que os Trabalhistas apresentaram ao eleitorado britânico neste momento crucial em que o fundamental era barrar a idiotice imperial de Johnson, se percebe que se trata de um programa aparentemente destinado a ganhar eleições mas que verdadeiramente acredita que é programa para apenas 10 a 15% do eleitorado. De facto, retirando a dimensão crucial do NHS britânico, haveria necessidade de um programa com tanto radicalismo de nacionalizações e quejandos quando o essencial seria barrar o caminho a Johnson?

Esta é, de facto, a pior deriva que pode acontecer a uma esquerda em declínio. Propor abordagens aparentes para ganhar eleições mas sabendo de antemão, e ficar feliz com isso pois os princípios é que são fundamentais, que o fazem para 10 a 15% do eleitorado.

O problema é outro, trata-se de dar resposta e representatividade a problemas e grupos sociais que estão desprovidos dessa proteção. Ora, como se trata de problemas novos e de representações alternativas não adianta desfiar a cartilha do passado. Corbyn nunca o entenderá e só espero que a nova dupla do SPD o compreenda.

Sem comentários:

Enviar um comentário