(Dizem-me os jornais
que as eleições internas do SPD alemão consagraram alguma radicalização do
partido, proporcionando a vitória a uma dupla mais à esquerda entre as opções perfiladas
na votação final. Embora compreenda tal radicalização depois de tanto
declínio, interrogo-me sobre o que significa do ponto de vista dos compromissos
para o avanço de uma Europa mais comprometida com os desafios da perturbada
globalização, da emergência climática e das desigualdades.)
Sabemos
que o SPD enveredou por um modelo interno de escolha de lideranças demasiado
politicamente correto para o meu gosto. Os políticos candidatos agrupam-se em
duplas, um homem e uma mulher (já agora porque não dois homens ou duas mulheres?)
que disputam a liderança procurando por essa via equilibrar no partido
tendências e sensibilidades. Sabemos ainda que o SPD cavalga nos últimos tempos
uma onda de declínio, que as teses mais imediatistas associam ao seu sacrifício
de coligação com o partido da senhora Merkel para assegurar a governabilidade
do país e barrar o caminho à extrema-direita alemã com representação
parlamentar, que tem mostrado as garras mas ainda não consumou ameaças. Tenho
para mim que este sacrifício do SPD, ainda haveremos de o compreender melhor
(oxalá me engane, pois isso será positivo), não é o fator responsável em
primeira linha pela perda de confiança que o partido vai sofrendo entre o
eleitorado mais carenciado de representação.
O
declínio do SPD é antes o produto da crise profunda da social-democracia, cavada
a partir do momento em que Schroeder começou a inventar em torno do fascínio do
mercado e que se perdeu de vista a falta de representação política dos lesados
pela globalização e pela intensa agudização do problema das desigualdades.
A
dupla que acaba por vencer as eleições internas com forte apoio da ala esquerda
do partido é composta por Saskia Esken, uma deputada especialista na
transformação digital e por Walter-Borjans, ex-ministro das Finanças do estado
da Renânia Norte Westefalia, com o sal da vitória a resultar de ter sido
conquistada sobre a dupla em que o nome do vice-Chanceler Olaf Scholz do atual
governo alemão vinha acompanhado de uma deputada da Alemanha de Leste Klara
Geywitz. O que vai agora acontecer com esta aparente radicalização do SPD é uma
incógnita, embora os vencedores se tenham apressado de que os resultados não
terão impacto imediato na chamada Grande Coligação com o partido de Merkel. A
verdade nua e crua dos factos é que o SPD atual valerá cerca de 15% dos votos
do eleitorado alemão, o que é francamente ilustrativo do declínio a que me
referia, com uma claríssima ultrapassagem realizada pelos Verdes que continuam
a ser uma esperança adiada no espectro de largo fôlego na política alemã, como
o demonstram períodos passados em que os Verdes atingiram tal notoriedade.
Espero
sinceramente que o declínio do SPD não se transforme numa espécie de Corbynismo
à alemã. Dizia-me há dias o meu filho Hugo que, lendo o programa que os
Trabalhistas apresentaram ao eleitorado britânico neste momento crucial em que
o fundamental era barrar a idiotice imperial de Johnson, se percebe que se
trata de um programa aparentemente destinado a ganhar eleições mas que verdadeiramente
acredita que é programa para apenas 10 a 15% do eleitorado. De facto, retirando
a dimensão crucial do NHS britânico, haveria necessidade de um programa com
tanto radicalismo de nacionalizações e quejandos quando o essencial seria
barrar o caminho a Johnson?
Esta é,
de facto, a pior deriva que pode acontecer a uma esquerda em declínio. Propor abordagens
aparentes para ganhar eleições mas sabendo de antemão, e ficar feliz com isso
pois os princípios é que são fundamentais, que o fazem para 10 a 15% do
eleitorado.
O
problema é outro, trata-se de dar resposta e representatividade a problemas e
grupos sociais que estão desprovidos dessa proteção. Ora, como se trata de
problemas novos e de representações alternativas não adianta desfiar a cartilha
do passado. Corbyn nunca o entenderá e só espero que a nova dupla do SPD o
compreenda.
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