(A revista Foreign Affairs de que sou
assinante tem dado boa guarida à heterodoxia económica, convicta de que por
essa via contribui para uma perspetiva mais fundamentada do mundo de hoje e das
suas contradições e de. O número de janeiro-fevereiro 2020
já disponível dedicado ao futuro do capitalismo só por si justifica a
assinatura.)
Foi com a obra de Branko Milanovic que comecei, já há alguns anos, a
estudar a desigualdade na distribuição do rendimento a nível mundial, isto é, a
análise do modo como o rendimento se distribui entre os indivíduos como se
estes pertencessem a uma distribuição sem fronteiras. Ainda o economista de
ascendência sérvia trabalhava no Banco Mundial tendo nessa organização
revolucionado o estudo da desigualdade e já a sua pesquisa anunciava que do
ponto de vista global e mundial a desigualdade estava a diminuir. Foi com os estudos
de Milanovic que começou a fazer sentido falar de uma classe média a nível
mundial, que estava a melhorar as suas condições de vida, o que contrastava com
o aumento da desigualdade em algumas economias avançadas, como os EUA, com o
seu coeficiente de GINI (indicador de desigualdade) a atingir valores que
pensávamos nativos de outras paragens.
Milanovic rumou para a Universidade de Nova Iorque para trabalhar na mesma
instituição que acolheu Paul Krugman e começou-se a perceber que a sua obra evoluía
para o estudo da economia mundial numa perspetiva simultaneamente histórica e
económica.
O número da Foreign Affairs (link aqui) a que anteriormente me referi atribui um
destaque relevante a um artigo de Branko Milanovic, “The Clash of Capitalisms – the real fight for the global’s
economy future”, que sintetiza as principais ideias da sua
última obra CAPITALISM ALONE – The future of
the system that rules the world (2019,
The Belknap Press of Harvard University Press).
A tese de Milanovic é relativamente intuitiva. Na sua evolução ao longo das
últimas décadas, a economia cavou a sepultura de modelos alternativos ao
capitalismo, passando a sua dinâmica conflitual a exercer-se no seu interior,
mais propriamente entre duas das suas variedades – a variante meritocrática
liberal do capitalismo e a que MIlanovic designa de modelo político de
capitalismo puxado pelo Estado. Não é difícil perceber que a taxonomia de
Milanovic emula a nova luta de titãs que organiza a economia mundial, EUA
versus China com as respetivas áreas e nações de influência.
A nova segmentação do capitalismo veio questionar inapelavelmente a relação
que tendia a ser estabelecida entre capitalismo e democracia liberal. Essa
pretensa relação, agora quebrada, não o é apenas por força do capitalismo de Estado.
Começa a ser também ameaçada por formas de plutocracia e de profunda desigualdade
reprodutora de novas desigualdades no capitalismo meritocrático.
Em termos comparativos, a tese de Milanovic tem fragilidades quando
comparada com a literatura das variedades do capitalismo, sobretudo para
compreender nuances que estão na base da tentativa de afirmação diferenciada do
capitalismo europeu e das suas próprias variedades.
Aliás, as duas categorias de capitalismo propostas por Milanovic são elas
próprias categorias dinâmicas, estando aí em meu entender as temáticas mais
relevantes de debate futuro. Assim, o modo como o capitalismo meritocrático irá
evoluir para superar a emergência climática, combater e regular as formas mais
agudas de plutocracia que estão a emergir no seu interior e ultrapassar a grave
degenerescência que o populismo está a introduzir na democracia liberal são
temas por si só que exigirão, muito provavelmente, novas categorias. Por sua
vez, o modo como o capitalismo político de Estado acomodará a emergência de
classes médias cada vez mais influentes constitui uma grande interrogação no
futuro dessa variante. Não é líquido que tais classes afirmem permanentemente
uma sede de democracia. Elas podem aceitar trocar a estabilidade de uma subida
de rendimento por formas de democracia mais musculadas e longe do paradigma
liberal. O modo como essa variante controlará a corrupção que começa a ser endémica
emerge também como um tema central.
Se encontramos os complementos de leitura e pesquisa que a obra de MIlanovic
exige então as suas teses serão mais úteis para compreender a evolução futura
da economia mundial e do próprio capitalismo. E as contradições não desapareceram.
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