sexta-feira, 10 de julho de 2020

NA ESPLANADA DO PIOLHO



(Lentamente, muito lentamente, a Cidade retoma os biorritmos de antes, com os primeiros grupos de turistas a evidenciar a sua presença. A manhã estava linda e por isso não resisti aos afetos da esplanada e das recordações do Piolho. Temo no entanto que a Cidade não resista economicamente a este meio-termo.

Havia uma razão forte para que a manhã livre das sextas feiras deste vosso amigo em rota acelerada para o envelhecimento ativo fosse ocupada com o regresso à Cidade pelas bandas do Carmo, Carlos Alberto, Cordoaria, Clérigos e imediações. Afinal, a companheira tinha mostrado a sua habilidade no corte de cabelo caseiro em pleno confinamento, felizmente ainda abundante, mas era hora de acertar pontas e retomar o toque dos profissionais da Invicta, impecavelmente adaptada às exigências da segurança sanitária.

É um ritual com memórias afetivas de usufruição das atmosferas e espaços públicos desta zona da Cidade, não deixando de ser curioso que o mesmo acontece com o meu colega de blogue, embora mais para os lados de Cedofeita e dos seus símbolos. É verdade que alguns ícones expressivos desta zona da Cidade já se perderam na voracidade do tempo e das suas inexoráveis mudanças no tecido urbano (recordo-vos que não sou um saudosista do espaço urbano, antes o compreendo como em permanente mudança). Basta recordar a livraria Leitura, a Invicta (confeitaria porque a barbearia resiste orgulhosa), a barbearia Fernandes (mesmo em frente à igreja do Carmo, onde conheci o comunista barbeiro mais generoso, o Sr. Salvador que me cortou o cabelo desde menino) e outros que tais.

Gosto muito de seguir o biorritmo das Cidades que nos são afetivamente mais próximas, assistir ao acordar faseado no tempo das suas principais personagens e por isso estava curioso para, a partir da esplanada do Piolho (sim porque espaços públicos fechados ainda me metem alguma confusão), gozar uns minutos de distensão e observar os biorritmos do desconfinamento possível.

Uma evidência clara a esta hora ainda matutina, numa manhã deslumbrante e que nos coloca de bem com a vida (para os que são capazes disso), é o regresso tímido mas visível dos turistas. Claro que a Lello ainda goza de sossego, mas a sua presença já não pode ser ignorada. Tenho sinais a outros níveis de que esse movimento existe. Amigos com alojamentos locais pelas bandas do Carregal e também de S. Lázaro anunciam-me que os têm já ocupados, curiosamente com habitués, ou seja de gente que regressa à Cidade porque se entrosou com as suas dinâmicas e atmosferas.

Estou convicto que este meio-termo se vai manter por algum tempo. É um panorama agradável para a usufruição distendida e segura do espaço público, mas temo que, do ponto de vista económico, a base que brotou por força do impulso turístico não aguente muito tempo este meio-termo. Os economistas falam a este respeito de indivisibilidades. Ou seja, o impulso turístico gerou investimento e uma dose de capital fixo que não se compadece por muito tempo com o meio gás. Isto tem óbvias relações com o tipo de recuperação económica que vamos ter, se em V abrupto com recuperação rápida ou se num U muito alargado e com recuperação muito lenta, senão intermitente. Mas isso vai se r tema de um próximo post.

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