quinta-feira, 16 de julho de 2020

ANTÓNIO FRANCO


Foi, de entre todos os relacionamentos que fiz durante a minha estada de médio curso pela Capital, o mais sólido e consequente. Apesar de temperado por uma certa irregularidade de contactos. O Embaixador António Franco, desaparecido esta madrugada após uma vida cheia de tudo (e, sobretudo, plena de uma incomensurável dignidade ao leme desse tudo), era um homem de fina e discreta presença e fortíssima personalidade (sem prejuízo de alguma derivada teimosia, naturalmente), sempre guiado por convicções firmes e valores sólidos e inegociáveis. Em memória dele apenas aqui quero exprimir um tributo, de sincera e elogiosa admiração, pelo inspirador exemplo que me adveio de cada encontro com ele, no amor, na vida familiar, na amizade, na atividade profissional (uma carreira diplomática brilhante e incólume, com especial visibilidade em Luanda, na Casa Civil de Jorge Sampaio e em Brasília), nas sempre laterais mas incisivas incursões políticas. Com o acrescento de que também me ficarão gravadas para sempre conversas sobre temas complexos em que de raspão espessamente pontuava o essencial ou em que manifestava respeitoso desacordo para com o interlocutor (enchem-se-me os ouvidos daquele tão típico “oh Ana!”), assim como de passeios e convívios descontraídos onde de repente lançava uma história desconhecida dos bastidores que foram fazendo a nossa democracia ou um qualquer episódio de outra natureza (como aquele em que nos classificava de “Senhor Feliz e Senhor Contente” à mesa de um jantar em que éramos apelidados de Gomes e Ferreira). Das variadas opções que faziam parte da personagem (como ele gostava de dizer), retenho a imagem do modo como assumia o tabaco até ao fim, além do seu prazer por um bom vinho ou da sua paixão pela música clássica, pela ópera e pelo cinema, o que a aposentação lhe foi permitindo explorar enquanto pacientemente esperava pelas chegadas da sua companheira. Além do envio de um enorme e sentido beijo de solidariedade para a Ana, posso consolar-me como perante a certeza de que nada mais será como dantes, de um vazio sem remissão?

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