(Fotografia de Sérgio Azenha para o jornal Público)
(O caldo começa a ficar entornado em torno da informação
COVID e da sua utilização diária seja pela comunicação social, seja pelos
próprios agentes políticos. O caso da correção ainda não publicada dos valores
concelhios do número de infetados[1] é o exemplo
mais recente e a explicação dos valores da região de Lisboa veio também agitar
as águas. Nos últimos dias, vários exemplos vieram mostrar que não
temos lá grande tradição de rigor na divulgação e tratamento de informação pertinente.
Sou dos que ficou espantado com a declaração da ministra da Saúde divulgada
pelos jornais há dias segundo a qual “não haveria nenhum caso de infeção
associada a transportes públicos”. O meu espanto resultava da evidência de que “a
bota não batia com a perdigota”, relativamente à prestação que Marta Temido tem
realizado sob uma pressão das antigas, à qual o mais vulgar dos mortais e
provavelmente dos seus detratores não resistiria. Dei voltas à cabeça para
tentar perceber tal deslize e mesmo compreendendo a séria perturbação que os
novos casos de Lisboa tinham provocado à gestão política da crise fiquei
estupefacto.
Uns dias decorridos após tão insólita afirmação, comecei a registar o aparecimento
de informação suscetível de ajudar a compreender aquele deslize. Afinal havia
um estudo, sabe-se agora com origem no prestigiado Instituto de Saúde Pública
da Universidade do Porto liderado pelo Professor Henrique de Barros, cuja
versão final não consegui ainda obter, que permite compreender a adulteração da
mensagem que a ministra Temido terá querido fazer passar. Aliás, ainda ontem,
outros deslizes de interpretação foram cometidos, como por exemplo o do cada
vez mais bonacheirão e patrono das boas vontades da governação Jorge Coelho no
Circulatura do Quadrado de ontem. Mas foi necessário ouvir o próprio Professor
Henrique de Barros na RTP 3 para perceber o que aconteceu.
Segundo palavras do Diretor do ISP da UP, “os estudos permitiram concluir
que a proximidade com as estações, a utilização dos comboios e o facto de
atravessar determinadas freguesias não se associam ao aumento de risco de infeção
na comunidade”. Ou seja, trata-se de uma análise de risco de infeção em função
de diferentes variáveis, a qual atribui uma menor probabilidade de risco á
utilização daquele meio de transporte quando comparado com outras variáveis
como, por exemplo, o da coabitação. A análise espacial realizada mostrou que a
proximidade à linha férrea (e pressupostamente à sua utilização) não representava
um contributo determinante para a infeção, embora isso não signifique que ela
não possa ocorrer, como aliás o frisou e bem o professor Henrique de Barros. E
começa-se a compreender os tais deslizes. Em primeiro lugar, é o transporte ferroviário
que foi estudado e não os transportes públicos em geral. E depois a ideia de
que passou de que a utilização dos comboios não infetava é manifestamente descontextualizada
do âmbito do estudo e representa por conseguinte uma alarvidade comunicacional.
Mais tarde, a voz autorizada e sempre respeitada de Constantino Sakellarides da
Escola de Saúde Pública comunicava-nos que a análise espacial de risco de
infeção a nível local (infra-municipal) e o seu mapeamento (facilmente ao
alcance de uma APP de utilização por todos nós) poderia representar um poderoso
instrumento de ajuda para o comportamento dos cidadãos em busca de mais baixas
condições de risco de infeção.
O que tudo isto mostra é que temos um longo caminho a percorrer em termos
de rigor de interpretação e de comunicação dos dados relevantes de estudos
importantes, para evitar alarvidades do tipo das que apareceram recentemente. É
claro que já se escutam menos aquelas confusões entre “variações percentuais” e
“variações de pontos percentuais” (valha-nos isso) mas o conjunto de
pressupostos em que este tipo de estudos assenta está muito para além do
simplismo comunicacional que tem sido praticado.
A gestão prudencial das relações entre a informação científica e a decisão
política também passa por aqui.
[1] Já agora se a
DGS publicasse não apenas o número total de casos por concelho, mas também os
novos casos dia-a-dia, representaria uma grande ajuda, dispensando os mais
interessados, entre os quais eu, de calcular à mão as variações diárias. Estou
com alguma curiosidade em perceber a dimensão das correções que irão ser
asseguradas.
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