quinta-feira, 9 de julho de 2020

INFORMAÇÃO E POLÍTICA

(Fotografia de Sérgio Azenha para o jornal Público)


(O caldo começa a ficar entornado em torno da informação COVID e da sua utilização diária seja pela comunicação social, seja pelos próprios agentes políticos. O caso da correção ainda não publicada dos valores concelhios do número de infetados[1] é o exemplo mais recente e a explicação dos valores da região de Lisboa veio também agitar as águas. Nos últimos dias, vários exemplos vieram mostrar que não temos lá grande tradição de rigor na divulgação e tratamento de informação pertinente.

Sou dos que ficou espantado com a declaração da ministra da Saúde divulgada pelos jornais há dias segundo a qual “não haveria nenhum caso de infeção associada a transportes públicos”. O meu espanto resultava da evidência de que “a bota não batia com a perdigota”, relativamente à prestação que Marta Temido tem realizado sob uma pressão das antigas, à qual o mais vulgar dos mortais e provavelmente dos seus detratores não resistiria. Dei voltas à cabeça para tentar perceber tal deslize e mesmo compreendendo a séria perturbação que os novos casos de Lisboa tinham provocado à gestão política da crise fiquei estupefacto.

Uns dias decorridos após tão insólita afirmação, comecei a registar o aparecimento de informação suscetível de ajudar a compreender aquele deslize. Afinal havia um estudo, sabe-se agora com origem no prestigiado Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto liderado pelo Professor Henrique de Barros, cuja versão final não consegui ainda obter, que permite compreender a adulteração da mensagem que a ministra Temido terá querido fazer passar. Aliás, ainda ontem, outros deslizes de interpretação foram cometidos, como por exemplo o do cada vez mais bonacheirão e patrono das boas vontades da governação Jorge Coelho no Circulatura do Quadrado de ontem. Mas foi necessário ouvir o próprio Professor Henrique de Barros na RTP 3 para perceber o que aconteceu.

Segundo palavras do Diretor do ISP da UP, “os estudos permitiram concluir que a proximidade com as estações, a utilização dos comboios e o facto de atravessar determinadas freguesias não se associam ao aumento de risco de infeção na comunidade”. Ou seja, trata-se de uma análise de risco de infeção em função de diferentes variáveis, a qual atribui uma menor probabilidade de risco á utilização daquele meio de transporte quando comparado com outras variáveis como, por exemplo, o da coabitação. A análise espacial realizada mostrou que a proximidade à linha férrea (e pressupostamente à sua utilização) não representava um contributo determinante para a infeção, embora isso não signifique que ela não possa ocorrer, como aliás o frisou e bem o professor Henrique de Barros. E começa-se a compreender os tais deslizes. Em primeiro lugar, é o transporte ferroviário que foi estudado e não os transportes públicos em geral. E depois a ideia de que passou de que a utilização dos comboios não infetava é manifestamente descontextualizada do âmbito do estudo e representa por conseguinte uma alarvidade comunicacional. Mais tarde, a voz autorizada e sempre respeitada de Constantino Sakellarides da Escola de Saúde Pública comunicava-nos que a análise espacial de risco de infeção a nível local (infra-municipal) e o seu mapeamento (facilmente ao alcance de uma APP de utilização por todos nós) poderia representar um poderoso instrumento de ajuda para o comportamento dos cidadãos em busca de mais baixas condições de risco de infeção.

O que tudo isto mostra é que temos um longo caminho a percorrer em termos de rigor de interpretação e de comunicação dos dados relevantes de estudos importantes, para evitar alarvidades do tipo das que apareceram recentemente. É claro que já se escutam menos aquelas confusões entre “variações percentuais” e “variações de pontos percentuais” (valha-nos isso) mas o conjunto de pressupostos em que este tipo de estudos assenta está muito para além do simplismo comunicacional que tem sido praticado.

A gestão prudencial das relações entre a informação científica e a decisão política também passa por aqui.


[1] Já agora se a DGS publicasse não apenas o número total de casos por concelho, mas também os novos casos dia-a-dia, representaria uma grande ajuda, dispensando os mais interessados, entre os quais eu, de calcular à mão as variações diárias. Estou com alguma curiosidade em perceber a dimensão das correções que irão ser asseguradas.

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