terça-feira, 28 de julho de 2020

ACELERAÇÃO



(Desde há pelo menos três anos somos bombardeados pelo tema da transformação digital. Tal como noutras “revoluções” tecnológicas as trajetórias de desenvolvimento tecnológico nem sempre são rápidas, algumas das quais necessitando de longos períodos de maturação. Essa longa maturação suscita frequentemente dúvidas sobre a real valia das transformações anunciadas.

Dirá o senso comum que se a transformação demora tanto tempo a maturar alguma razão haverá para esse lento despertar, talvez a não valia intrínseca do que se anuncia como transformador. E não apenas o senso comum. Tenho por detrás das costas, na minha estante, várias obras que avançam com suspeição relativamente fundada sobre o potencial de crescimento da transformação digital quando comparada com outras épocas de progresso tecnológico e crescimento económico. Mas, por vezes, a “história” acelera e também nem sempre por razões de proximidade à tecnologia.

O gráfico elaborado pela equipa da McKinsey e que abre este post é revelador de uma dessas acelerações citadas na introdução. Ele reporta à economia americana e por isso estará eventualmente à frente relativamente a outras acelerações similares ocorridas pelo mundo desenvolvido. Mas estou seguro que encontraremos fenómenos da mesma magnitude noutros países e inclusivamente em Portugal.

As plataformas de comércio/negócio eletrónico foram-nos sempre apresentadas como uma das transformações mais relevantes que a mudança digital poderia gerar nos modelos de negócio empresarial. Mas o que releva é que, por força imperiosa da pandemia, em três meses se assistiu a uma progressão equivalente à registada nos dez anos anteriores. É, de facto, uma aceleração prodigiosa e obviamente que nos interrogamos se se trata de um choque induzido por uma força exógena que tenderá a esbater os seus efeitos ou se, pelo contrário, os três meses do gráfico anunciam um outro paradigma irreversível e que transformará transversalmente e de vez os modelos de negócio empresariais.

A indeterminação estrutural que a pandemia instalou não permite uma resposta sem riscos a essa interrogação, mas parece crível que o crescimento da digitalização nos modelos de negócio partirá de um outro patamar. Ora, olhando para o passado, compreende-se que esse salto disruptivo entre os dois patamares só poderia ser introduzido por um fator exógeno desta envergadura.

Mas, neste caso, o salto disruptivo acontece numa transformação que estava desenhada há já algum tempo. Vale a pena interrogar se não estarão ocultas aos nossos olhos outras transformações disruptivas suscitadas pelo mesmo processo pandémico. Será que, por exemplo, as tendências de procura turística não vão experienciar o embate de transformações disruptivas profundas, gerando novos patamares para baixo (por exemplo, o turismo de massa), mas também para cima (por exemplo o turismo natureza e de maior fruição do território), acelerando também mudanças que eram mais desejos do que efetivas disrupções? E o universo das relações casa-trabalho não poderá também evoluir segundo padrões disruptivos?

Para um país como Portugal que tem evoluído essencialmente segundo padrões de inovação incremental, o que representará para nós este tipo de disrupções? Uma ameaça ou uma oportunidade de conseguirmos também evoluir a partir de outros patamares?

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