(Magdalena Andersson, ministra das Finanças da Suécia)
(Sempre considerei que a não harmonização fiscal no interior da União Europeia, com a exceção obviamente de opções comunitárias fiscais para estádios de desenvolvimento de países da União que o justifiquem e decididas multi e não unilateralmente, representa um fator poderoso de perturbação da construção europeia. A incursão de Portugal por esse domínio da ilusão da atratividade fiscal reforça a minha má apreciação sobre o tema.
A ministra das Finanças sueca, Magdalena Andersson de seu nome, concedeu uma entrevista ao Público onde manifesta a sua falta de paciência com a posição do Governo Português de andar a engonhar com o acordo fiscal celebrado entre os dois países em 2019. É curioso como o tema da paciência tem ocupado espaço nos últimos tempos e agora não é a questão da pandemia que está na base da sua invocação.
A situação conta-se em poucas palavras, até porque se reduz em última instância ao tema da não harmonização fiscal e suas sequelas.
Portugal sempre se imaginou, ou pelo menos algumas das suas regiões com maiores amenidades, não um paraíso fiscal (a nossa carga fiscal não dá para isso), mas um paraíso para atrair gente endinheirada, reformada ou não, combinando amenidades, clima e segurança. Em determinada altura, a essa aspiração quase identitária, agradar e bem receber os outros, juntou-se a ideia de isenções fiscais de pagamento de IRS, procurando reforçar a atração das amenidades. Aparentemente, só nos países escandinavos emergiu oposição séria a tal regime, já que, pelo menos do meu conhecimento, dos franceses não se registou tal reação e, pelo que se sabe e pelas notícias do imobiliário, os franceses estão entre os mais seduzidos pela combinação dos dois tipos de amenidades.
O que é compreensível, se tivermos em conta que o modelo escandinavo assenta num contrato de confiança que é conhecido – fiscalidade fortemente progressiva e modelo social de grande abrangência. Qualquer brecha neste contrato de confiança, seja por via da evasão fiscal, seja pela via da degradação das condições do modelo social, compromete o modelo, até porque a desigualdade na distribuição do rendimento tem se acentuado, embora muito longe do agravamento que tem revestido nas economias mais avançadas com destaque para os EUA e para o Reino Unido.
O que se depreende da entrevista é que em 2019 a Suécia puxou Portugal para uma convenção fiscal que atenuasse/resolvesse o problema e que nas palavras da ministra sueca pusesse termo ao que ela entende ser uma profunda injustiça: “É uma injustiça fiscal que pessoas que auferem milhões de euros de rendimento, ao mudarem-se para Portugal, não paguem imposto [IRS], enquanto pessoas [com rendimentos] comuns na Suécia — e em Portugal — pagam imposto”. Interpreto que as autoridades portuguesas ter-se-ão convencido que o estabelecimento de uma taxa única de IRS de 10% para esses casos fosse suficiente para dar mostra que Portugal percebia a incomodidade política do governo sueco. Mas pelo teor da entrevista, Magdalena Andersson acha que Portugal está a engonhar e que, face a tal situação, um dia destes romperá a convenção e os suecos atraídos pelas amenidades portuguesas serão tributados à luz do regime fiscal sueco.
Num país em que a “accountability” dos regimes fiscais e do mundo tortuoso das suas benesses e incentivos não fosse letra morta, teríamos facilidade de acesso aos resultados destes regimes (número de estrangeiros endinheirados envolvidos) e, mais do que isso, a uma avaliação dos impactos de tais medidas.
Como já aqui elaborei a propósito dos “Vistos Gold”, não é indiferente que tal atração pelas amenidades se traduza apenas em imobiliário de topo ou em intensificação do investimento direto estrangeiro, desejavelmente impulsionador do potencial de inovação nacional. Claro que para certos territórios mesmo o impacto residencial e imobiliário pode ser interessante, mas não é seguramente o que o estádio de desenvolvimento da economia portuguesa necessita.
Não sei se o Governo português vai conseguir amainar a impaciente Magdalena, mas tudo isto é uma nefasta consequência da incapacidade da União em lidar com a desarmonia fiscal. Harmonização não equivale seguramente a uma homogeneidade de regimes. O que a harmonização significa é submeter o unilateralismo fiscal a uma lógica de fiscalidade e desenvolvimento vistos integradamente. Evitar-se-iam figuras de sonso, engonhar para tempo ver e outras indesejáveis situações.
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