segunda-feira, 19 de abril de 2021

1893

                                                                (Infografia do Público)
 

(O jornalista Carlos Cipriano tem hoje no Público, link aqui, uma peça sugestiva dando conta da miséria relativa, face a períodos anteriores da história portuguesa, que a oferta de infraestrutura ferroviária tem apresentado nos quase 50 anos de democracia. E o que é mais desolador é que não terá sido por falta de planos de modernização que o marasmo se explica. Será que Pedro Nuno Santos quer ficar na história positiva ou candidata-se a protagonista na saga dos planos frustrados

A modernização de infraestruturas é um dos domínios do desenvolvimento mais sujeitos à chamada “path-dependency” (dependência do percurso). A profunda anemia do investimento ferroviário na democracia, com histórias por explicar (uma delas é a do dinheiro que foi torrado na modernização da Linha do Norte), coloca-nos numa posição difícil para afrontar o futuro da mobilidade mais sustentável. A inversão de padrão de investimento que vai ser necessário concretizar para colocar Portugal em linha (e já não me refiro à marginalização das bitolas a propósito das quais tenho ouvido as desculpas mais desconcertantes) com os ventos da descarbonização nos transportes deve-se tão só à total ausência de equilíbrio em matéria de transporte rodoviário versus transporte ferroviário que marcou o nosso tempo de infraestruturas mais recente. Diga-se que, nos últimos tempos, embora sem investimento em novas linhas, se tem assistido pelo menos a um esforço em alguns anos tímido e sempre com diferimento de prazos de execução de modernização (eletrificação e sinalização) de linhas existentes. É o caso da linha do Minho, Porto-Viana do Castelo-Valença que passa mesmo em frente à minha varanda de Seixas sobre o Coura e sobre o Minho, que estará neste momento praticamente toda eletrificada. São processos de modernização importantes, pois potenciam melhorias no capital circulante, mas regra geral não tendem a proporcionar melhorias de velocidade e encurtamento de tempos de viagem indispensáveis para atrair procura, embora seja de registar a melhoria das condições de segurança.

O não encurtamento significativo de tempos de viagem tem na linha do Norte o seu caso paradigmático. Com tanto investimento de melhoria realizado a viagem Porto-Lisboa continua a fazer-se em tempo muito próximo do que eu fazia no velho foguete em 1973 quando cumpria serviço militar em Lisboa em Lisboa e a elasticidade para com a infraestrutura atual conseguir progressos sensíveis é praticamente nula.

Portugal, a sua administração e o poder político são claramente bipolares em matéria de transporte ferroviário. O TGV que foi apresentado com as parangonas à la Sócrates (o homem sempre passou por Paris) não resistiu nem a uma avaliação decente da procura estimada, nem ao primeiro surto de moderação orçamental. A essa euforia sucedeu-se a costumeira “isto não é para nós”, “é luxo demais” e assim se passa da euforia à resignação mais atávica. E parece que não temos aprendido nada. O ministro Pedro Nuno Santos, depois de ter surpreendido com a afirmação de que em termos de prioridade de execução temporal a ligação de Lisboa a Madrid seria feita via Vigo-santiago de Compostela (com passagem ao largo desta estação), uns tempos depois parece ter reconsiderado admitindo que a ligação de Sines a Badajoz poderia contemplar “uma espécie de TGV” para passageiros. Não se entendeu ainda quais vão ser as fontes de financiamento. Pelo menos da ligação Porto-Braga-Vigo, na qual o ministro colocou toda a prioridade no troço Braga-Vigo para tirar partido dos tempos de implementação da ligação Vigo-Madrid, não se vislumbra referência alguma nos documentos de programação PRR e Agenda 2030. Discutia-o há dias com a CIM do Cávado e a própria CM de Braga que teria todo o interesse em começar a posicionar-se para valorizar essa nova centralidade não tem qualquer informação sobre tal aposta.

O transporte ferroviário poderia constituir um excelente instrumento para sistemas de mobilidade mais sustentável em território com grande densidade populacional, pois aliariam sustentabilidade e resposta potencial da procura, como é o caso das partes mais densas do Ave e do Cávado. Assim, também uma ligação de Esposende por caminho de ferro ao metro na Póvoa de Varzim permitiria por certo reduzir substancialmente as viagens em viatura própria casa-emprego entre Esposende e a aglomeração do Porto.

Há potencial que baste para algumas bandeiras de ambição.

O ministro das Infraestruturas apresenta hoje o Plano Ferroviário Nacional. Desta vez será diferente? Ou teremos mais um ministro na lista dos planos frustrados? Voltarei ao assunto em função do que nos for apresentado.

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