(Jardim Soares dos Reis, renovado)
(A entrevista de Abel Coentrão no Público, link aqui, ao nosso geógrafo simultaneamente mais robusto conceptualmente e criativo é um belo pretexto para refletir sobre a Cidade na pandemia e sobretudo pensar sobre as sementes que ficarão para antecipar o seu futuro. Um aposentado ativo como JF o é neste momento traz-nos disponibilidade e frescura de pensamento e estou em crer que Lisboa (link aqui) e o urbanismo cívico irão disso largamente beneficiar.)
Não foram muitas as vezes que tive oportunidade de trabalhar diretamente com o João. A distância física entre Lisboa e o Porto e a distância institucional entre a investigação e a academia e a vida quotidiana de uma empresa de consultadoria continuam a ser obstáculos, por muito que as rejeitemos. Mas dessas poucas vezes em que colaborei mais diretamente e fizemos trabalho conjunto ficou-me sempre a ideia de que o JF combina a rara capacidade de uma imensa abertura ao que de mais moderno se vai fazendo em matéria de investigação sobre o território e a Cidade com a eficácia de produção de um discurso coerente sobre a nossa realidade. Esta combinação é rara, porque abundam os extremos mas não o equilíbrio da sua integração. Há quem fervilhe com a evolução bibliográfica de ponta mas não consiga com essa invocação produzir um discurso coerente sobre a nossa própria realidade. Há quem se refugie no empirismo local e intra-muros e nunca dê o salto para abordagens mais modernas. Há quem efabule criativamente mas quando se passa ao planeamento e à ação fica petrificado. Pelo contrário, com o JF nós temos um guia para perceber o que de relevante e útil para os nossos objetivos se vai fazendo por esse mundo fora e isso é uma economia de tempo fabulosa que lhe agradeço.
Foi, por isso, que me senti muito honrado pelo convite que ele me dirigiu em 2013 para comentar, um pequeno comentário esclareça-se, na Coletânea Portugal Social de A a Z (organizada por José Luís Cardoso, Pedro Magalhães e José Machado Pais e editada pelo ICS e pelo EXPRESSO) o seu texto Território. Creio que foi a última vez que colaborámos diretamente até porque entretanto aconteceu o desaparecimento da sua mulher.
A entrevista (muito bem conduzida) ao jornalista Abel Coentrão (um dos raros escribas sobre urbanismo e território que vale a pena seguir na imprensa portuguesa) ilustra fielmente aquela minha ideia. Ela mostra-nos um JF atento ao que a pandemia nos trouxe em matéria de Cidade e particularmente à sua Lisboa e, como sempre, criativo na reflexão, mas nunca perdendo de vista o planeamento e a ação.
Partilho com o JF a ideia de que a pandemia, para além de revelar realidades e mudanças que estavam já latentes, veio revelar algumas das incongruências de abordagem que frequentemente dedicámos à Cidade.
Na entrevista há ideias e conceitos novos como, por exemplo, o contraponto que JF estabelece entre a Cidade planeada e o que ele chama a Cidade inorgânica. Este confronto esteve ao rubro na perceção e impacto real das consequências da crise pandémica. Onde existiu algum planeamento, independentemente do público-alvo ser as classes médias, de rendimentos superiores ou mesmo as classes mais populares, quer o espaço público disponível, quer as características das próprias habitações lá foram acomodando, ainda que com dificuldade, os múltiplos efeitos da crise sanitária. Na Cidade orgânica, pelo contrário, a inexistência ou degradação do espaço público e a péssima qualidade das habitações representaram seguramente um constrangimento da gestão da pandemia e, a futura investigação assim o mostrará, funcionaram como amplificadores naturais de contágio. E como o JF pertinentemente o assinala o planeamento urbanístico confronta-se ainda com a inexistência de uma abordagem consistente à Cidade inorgânica, mesmo que o chamado urbanismo tático gere também os seus problemas na abordagem à Cidade planeada.
A referência ao outro confronto entre o fetiche da intervenção nos centros históricos da Cidade central e a sempre adiada intervenção requalificadora nas periferias já é mais conhecida e sobre a qual gente como o Álvaro Domingues tem dedicado atenção.
Mas na entrevista há sobretudo atenção e sensibilidade para percebermos que as mudanças pandémicas trazem não só problemas aos nossos fetiches anteriores (veja-se por exemplo a crise turística e o seu impacto na Cidade central), mas também abrem oportunidades para trabalhar mais intensamente com as iniciativas cidadãs, para gerar novos formatos e linguagem de comunicação com essas iniciativas e sobretudo para compreender que o direito à mobilidade no território é um legado inalienável da democracia, cujo sentido mais profundo toda a intervenção no território deve compreender.
Como não podia deixar de ser, JF mostra na entrevista que está atento a movimentos como o da Carta Aberta pelo Direito ao Lugar (link aqui) e que desse tipo de pronunciamentos podem resultar novas perspetivas para o urbanismo como o amigo Professor José Carlos Mota (Universidade de Aveiro) não se cansa de nos comunicar.
Pela minha parte mais residencial, cá por Vila Nova de Gaia, o Jardim Soares dos Reis reabriu agradável e funcional, com maior capilaridade interna, também reabriu a esplanada da Intervalo e a livraria de bairro Velhotes continua resiliente.
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