quinta-feira, 8 de abril de 2021

JORGE COELHO

 


(Foi uma notícia inesperada pelo fim da tarde. O coração terá traído uma das personagens políticas marcantes dos nossos tempos democráticos. A minha invocação não pretende refazer registos pouco afáveis e nada empáticos que os tive neste espaço sobretudo pela sua passagem pelo Quadratura do Círculo. É uma invocação de grande respeito por uma personagem política que não deixa ninguém indiferente e que procurarei mostrar nesta crónica singela. Por estranho que possa parecer esse respeito prende-se com características que os intelectuais mais afastados do poder como eu insistem por vezes teimosamente em ignorar ou pelo menos fazer de conta que diferenciam os políticos que marcam os terrenos por onde passam.

Não tenho qualquer dúvida em reconhecer que, para a grande generalidade dos militantes e simpatizantes socialistas mais próximos, Jorge Coelho sempre será uma referência e ficará indelevelmente associado à progressão e afirmação do partido nos tempos mais gloriosos e nos tempos mais difíceis. Vários testemunhos hoje o evidenciaram e destacaram, sobretudo baseados na sua atitude de proximidade. Da sua presença marcante como Ministro de António Guterres e sem o qual a sua governação seria bem menos efetiva e coerente até ao mistério do pântano até à delicada função que exerceu na preparação das primeiras eleições internas (Costa versus Seguro) do PS com envolvimento de simpatizantes, a sua afirmação no partido deixa, estou certo sobretudo nos militantes, a perceção de como um político deve viver a vida interna de um partido.

Curiosamente, o respeito profundo por essas características sempre funcionou para mim como um indicador e medida de características políticas que nunca seria capaz de protagonizar. Ou seja, a proficiência e qualidade com que Jorge Coelho as exercia sempre representaram para mim a prova de que esse não seria nunca o meu universo e isso é tão importante como identificar-me com as características de um político (coisa rara). Isso não tem nada que ver com a minha frequente irritação com algumas das suas intervenções no Quadratura, quando comparadas sobretudo com a impiedosa sabedoria de Pacheco Pereira e a finura política de Lobo Xavier.

Recordando memórias, que talvez nunca as vá escrever de forma profunda e organizada, do meu trabalho de proximidade com políticos sem nunca passar para o lado de lá e defendendo a interação mas também a autonomia de pensamento científico e técnico, tenho duas recordações que ilustram com perfeição as palavras dos parágrafos anteriores.

A primeira aconteceu quando fazia assessoria ao então Presidente da Câmara Municipal do Porto, Dr. Fernando Gomes. No âmbito de um projeto para a Cidade -Região que reputávamos de estratégico, o trabalho em torno dos excecionais arquivos da RTP, o então Chefe de Gabinete de Fernando Gomes, Arquiteto Vasco valente, que não vejo há longos anos, convenceu-me a ir tomar o pequeno almoço com o ministro Jorge Coelho ao Meridien. Numa suite lá do alto da torre do hotel, lá fomos apresentar o projeto e embora sem maldade lá me descaí com a dificuldade de o apresentarmos a um quadro superior da RTP que pontuava na altura nas instalações do Monte da Virgem. Se a memória não me atraiçoa, o quadro era o Engº Djalma (Neves?). Fina e subtilmente, com aquele vozeirão das grandes frases que lhe era comum, Jorge Coelho não deixou de alertar que o Djalma era um importante quadro do PS, em grande medida ligado à sua afirmação. Compreendido, foi o que eu pensei na altura. Creio que na altura com a habilidade que lhe era peculiar, o Vasco Valente desviou para canto a conversa, convencido também de que aquilo de trabalhar com independentes tinha que se lhe dissesse.

A segunda aconteceu por motivos profissionais no edifício do Conselho de Ministros e a reunião tinha por base o Plano Tecnológico estrutura de missão então coordenada pela Professora Maria João Rodrigues. A estrutura de missão enfrentava (sempre enfrentou) dificuldades de imposição vinculativa aos ministérios e a reunião desenrolava-se em torno desse vício deste tipo de estruturas de missão. Perante as lamúrias da Professora numa parte da reunião, o ministro Jorge Coelho convocando toda a sua sabedoria afirmou algo como isto: Ó Senhora Professora tem que concordar que essas dificuldades são normais quando não se tem orçamento para executar no Orçamento de Estado.

Não tenho dúvidas de que quem privou mais de perto com o Jorge Coelho terá podido tomar contacto com outras características pessoais como a defesa intransigente da amizade independentemente dos quadrantes políticos e pelo que ouvi dos seus colegas no Quadratura e no Circulatura o seu sentido ético de exercício e do estar na vida pública. Talvez por isso questões como o “quem se mete com o PS leva” ou as diferentes interpretações que correram com a sua passagem pela Mota Engil sejam injustas para com a personalidade que nos deixa.

Quanto a mim, devo ao Jorge Coelho a ilustração competente de que ser político exige competências próprias e não é para todos e que indiscutivelmente não as possuo. Talvez seja uma invocação da personalidade mais sincera do que muitas das que ouvi hoje enquanto a noite caía. E a política precisa de gente profissional e competente e nunca de amadores mais ou menos habilidosos. A sua defesa do interior com o seu projeto empresarial em Mangualde merecia uma vida mais longa.

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