domingo, 11 de abril de 2021

IMPOSTOS

 


(Um produto macroeconómico do nosso tempo pandémico, sem ignorar o tempo que mediou entre a Grande Recessão de 2008 e a atualidade, consiste no reaparecimento da política fiscal, reabilitada e devolvida à sua importância original. Vários tipos de razões concorrem para esta reabilitação.

Em janeiro/fevereiro de 2020, logo antes dos tempos de aceleração pandémica e ainda na administração Trump, Joseph Stiglitz (Columbia University), Todd Tucker (Roosevelt Institute) e Gabriel Zucman (University of California, Berkeley) publicaram com o abrigo institucional da insuspeita FOREIGN AFFAIRS um artigo marcante que se designava de “The Starving State – Why Capitalism’s Salvation Depends on Taxation” (link aqui). A mensagem do artigo é marcante e potente, resumidamente o Estado (melhor Estado) não pode ser ignorado e sem impostos ele não funciona.

É importante contextualizar os tempos que levaram economistas com a nomeada dos que assinaram o artigo a ter de expressar uma mensagem que tem algo de paradoxal: é marcante a propósito de algo que houve tempos que nos parecia uma evidência que não necessitava de sublinhado.

A diminuição do peso da tributação no financiamento do Estado aconteceu na sequência do desmantelamento precoce de algumas das suas funções. Para menos despesa, menos impostos. Mas o argumento implícito não invocava apenas a defesa do equilíbrio orçamental. Havia um racional subjacente. Reduzir impostos equivalia a libertar recursos para o setor privado e com uma fiscalidade menos agressiva a ideia era dinamizar investimento privado. Foram tempos da treta do “crowding-out” do investimento privado provocado pelo investimento público e pelo seu financiamento via impostos. Algumas administrações levaram mesmo o argumento a um extremo: era necessário reduzir a tributação aos mais ricos para incentivar esse mesmo investimento privado.

Os tempos da Grande Recessão e da recuperação relativamente agónica que se lhe seguiu mostrou que a dinamização desse investimento privado nem sempre foi concretizada pela redução de impostos e, pior do que isso, grande parte desse investimento concretizou uma afetação de recursos indesejável, reforçando a financeirização e a exacerbada orientação do investimento para os bens e serviços não transacionáveis. Em linha com essa afetação de recursos, o peso dos lucros no rendimento nacional foi aumentando em detrimento do dos salários, a distribuição do rendimento tornou-se mais desigual nas economias mais avançadas, a qualidade dos serviços públicos e das infraestruturas foi-se degradando, o “curto prazismo“ do investimento foi-se acentuando em linha com a prevalência da distribuição de dividendos a acionistas. O artigo de Stiglitz, Tucker e Zucman associava tais padrões de evolução a uma deriva do sistema e daí que a boa saúde da tributação surgisse na mesa como a única solução possível.

Pode dizer-se que a pandemia veio dar mais força à mensagem dos três economistas. E o contexto mudou, de forma evidente. Senão vejamos.

Já demonstrado pela Grande Recessão de 2008, a política monetária revelou-se incapaz de resolver o problema. Ajudou mas precisou de um grande impulso da política fiscal. Essa ajuda fiscal é hoje declaradamente assumida. Há dias, o Professor Vítor Gaspar, agora a braços com outros problemas no seu posto no FMI em Washington vinha dizer precisamente isso mesmo. Temos assim a sensação de que os tempos e o contexto mudaram-

E para acentuar o sentimento de mudança, a administração Biden encarregou-se de elevar o estímulo fiscal (ver post anterior) a níveis nunca antes vistos, superando claramente as hesitações e interrogações de Obama. Janet Yellen, a sóbria, equilibrada e tenaz Janet, veio a semana passada quebrar um tabu que a administração americana nunca tinha ousado fazer. Veio juntar-se ao conjunto dos que pedem o fim do fartar e vilanagem dos baixos impostos pagos pelas grandes multinacionais, que vogam ao sabor de quem lhes promete as maiores isenções fiscais. Em 18 anos, de 2000 para 2018, as multinacionais viram a sua carga fiscal média descer quase 50%, o que diz bem do movimento que agora se quer travar. A mudança da posição americana é muito relevante e teve o imediato apoio da Comissão Europeia que vinha soletrando algumas intenções nessa matéria, sobretudo se essa travagem for acompanhada de uma outra mudança necessária, a necessidade de pagar mais impostos onde os serviços são produzidos e gerados.

A trajetória que vai seguir-se não é linear. A nível interno, a administração Biden vai começar a sentir no Congresso e no Senado a reação dos Democratas mais moderados e obviamente dos representantes republicanos dos empresários americanos plutocratas que mais beneficiaram da engenharia fiscal de Trump. A nível mundial, as grandes companhias vão jogar na já conhecida falta de solidariedade fiscal entre os países em busca de um regalo de projeto high-tech.

Não devemos a mudança apenas à pandemia. Mas que ajudou não tenho dúvida. De abanão em abanão a macroeconomia lá vai abandonando os tempos da loucura insana.

Sem comentários:

Enviar um comentário